Ao que se sabe, David Cameron é cético demais para ceder a doutrinas ou ideologias. O primeiro-ministro britânico, porém, é um verdadeiro adepto do “faça algo”, crença ancestral segundo a qual qualquer coisa ruim merece resposta do governo. Esse instinto intervencionista já o instigou a repreender um varejista por colocar “laranjas de chocolate no lugar de laranjas de verdade” num discurso. Era 2006 e Cameron ainda trilhava o caminho rumo à liderança do Partido Conservador, mas não abriu mão da veia censora.
Ontem [segunda-feira, 22/7], em meio a um duradouro crescimento no desemprego e a um sangrento conflito na Síria, Cameron devotou um discurso inteiro à pornografia na internet. Algumas de suas propostas foram sensíveis, como criminalizar conteúdos sexuais mais repugnantes. O resto, porém, mesclou redundância, cegueira e ambiguidade. Cameron disse, afinal, que fazia aquilo “como um pai”, como se nenhum pai responsável pudesse discordar.
O discurso trazia todas as características de um pânico moral. Baseou-se em campanha de um tabloide e em pressões de grupos munidos de estatísticas questionáveis. Além disso, veio em resposta ao assassinato de uma garota por um homem que acessou imagens de crianças. A medida vai criar novas burocracias que farão pouco pela pornografia infantil, escondida em subterfúgios virtuais. Revela ainda que o apreço às coisas certas importa mais que o rigor na execução de políticas públicas.
Verdades difíceis de aceitar
Se esse paternalismo fosse pontual, seria perdoável. O premiê, porém, quer incentivar o casamento com isenções fiscais, cogitou fixar um preço a bebidas alcoólicas e flertou com um “imposto de gordura” para alimentos industrializados. Pesquisas sugerem que uma nova geração de eleitores é liberal como nunca. Será difícil agradá-los e aos conservadores ao mesmo tempo. Há também o precedente de John Major. Quando o último premiê conservador do país se apegou ao moralismo, todo delito em seu partido pareceu hipócrita.
Embora haja mercado para o paternalismo, o instinto intrusivo de Cameron é contraditório. Em certos temas, defende limites à ação do Estado, como o corte de gastos, a abertura de informações e o casamento homossexual. Essa visão liberal, porém, é rendida sempre que se identifica um estilo de vida a mudar. Para os conservadores, as pessoas podem construir seu caminho com menos incentivos fiscais e serviços públicos, mas não são confiáveis no que diz respeito a relacionamentos, dietas ou computadores. Por que uma mesma ação seria errada em uma área e correta em outra?
Entender o que o Estado pode fazer é parte da formação de um político. Aceitar que alguém em algum lugar está fazendo algo que não se aprecia é parte da vida numa sociedade moderna. Muitos políticos britânicos, incluindo o mais importante deles, duelam com essas verdades.
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Janan Ganesh do Financial Times