Apesar de vender a imagem de empresas descoladas e antenadas no mundo das mídias digitais, as gigantes da internet têm recorrido ao velho e bom lobby em Brasília para tirar do terreno da virtualidade suas demandas.
Motivos não faltam para priorizar o meio de campo institucional. O Brasil é a quinta operação mais rentável do Google e disputa com a Índia a segunda posição em número de membros do Facebook, atrás dos EUA.
Na linha de frente, as duas empresas escalaram representantes com estilo “técnico” e “nerd”, pouco versados nos convescotes de Brasília.
Na prática, contudo, o jogo é disputado com armas mais tradicionais.
O paulista Marcel Leonardi, o lobista do Google, e o carioca Bruno Magrani, recém-contratado para o mesmo posto no Facebook, compartilham do mesmo perfil.
São jovens advogados com passagens por universidades americanas de ponta e respeitados na academia por trabalhos sobre direito e internet.
Ambos são diretores de políticas públicas, eufemismo para lobista, atividade não regulamentada no país.
Leonardi formou-se na USP, fez pós-doutorado em Berkeley e leciona na FGV de São Paulo. Magrani estudou na UFRJ, concluiu seu mestrado em Harvard e dava aulas na FGV do Rio.
A escolha dos dois foi calculada. O Facebook penou quase dois anos até encontrar o candidato que se enquadrasse nas exigências, apurou a Folha com quatro executivos sondados.
As gigantes valorizam o verniz acadêmico.
Leonardi apresenta-se como “professor doutor” aos seus interlocutores, que leem a qualificação no seu cartão.
Na prática, a função de ambos é acompanhar na capital o andamento do que pode ter impacto no negócio das companhias e colocar seus argumentos na pauta de quem faz a caneta se mexer.
Porta giratória
Até 2011, o lobby no Google era missão de um homem só: Ivo Corrêa, hoje subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e integrante do Comitê Gestor da Internet.
Nos bastidores, lobistas ligados às telefônicas insinuam que isso favoreceria o Google em discussões do marco civil do setor, como a definição do quanto se pode controlar a velocidade da rede. Ele nega a acusação, e não há indícios de que ele agiu em favor dos ex-patrões.
Mas a operação cresceu. Ao assumir o posto, Leonardi tratou de ampliar a equipe, que conta agora com outras três pessoas, e contratou a Patri, tradicional consultoria para lobby que atende nomes do quilate da Vale e da Telefônica/Vivo.
A empresa mapeia por onde circulam os interesses do Google, identifica quem deve ser abordado, marca as reuniões e destaca o sócio Marcelo Lacerda para acompanhar Leonardi quando a conversa é mais delicada.
Além disso, Leonardi aconselhou-se intensivamente com o então lobista do site de leilões virtuais Mercado Livre, Luiz Ricardo Santiago, apurou a Folha com amigos próximos.
Magrani, por sua vez, poderá valer-se de conselhos da casa. O Facebook mantém um atuante escritório de advocacia a seu serviço em Brasília.
O Bialer & Falsetti, dos advogados Mauro Falsetti e Ana Paula Bialer, é responsável por encaminhar no Congresso e no Executivo a agenda do líder das redes sociais.
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Alvos são impostos, direitos autorais e dados
A atenção das gigantes da rede com o Brasil é proporcional a seu avanço no país.
O número de usuários do Facebook no país sextuplicou nos últimos dois anos e supera os 70 milhões. O Google abocanha parcela expressiva do mercado publicitário, estimadas pelo ministro Paulo Bernardo (Comunicações) em R$ 2,5 bilhões anuais.
Isso coloca a atuação das empresas no centro das atenções, até porque a operação tributável delas no país é pequena e a legislação específica, quase inexistente.
Isso tudo faz do Marco Civil da Internet um campo de batalha. A abordagem dos lobistas, focada até então em parlamentares como o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto, teve que mudar devido às revelações sobre a espionagem americana feitas por Edward Snowden, ex-analista da CIA.
Como resposta pública, o governo Dilma Rousseff resolveu pressionar pela aprovação do marco, encaminhado ao Congresso ainda em 2011, e insistir que as empresas armazenem dados de seus usuários no Brasil. Alegando inviabilidade técnica e custos, elas resistem.
Há ainda dois projetos cruciais para as companhias: o de proteção de dados pessoais, que pode impor restrições mais pesadas à coleta de dados dos usuários, e da lei de direito autoral, que pode mexer com as atuais regras de controle de conteúdo. Surgiu ainda um novo objeto do desejo para os lobistas: as discussões de reforma eleitoral.
Google e Facebook colocam sua estrutura de lobby para apresentar aos deputados pleitos como a liberação da pré-campanha na internet e a possibilidade de que os candidatos comprem anúncios em sites e redes sociais.
Deu certo. As duas propostas devem constar do texto do relator, deputado Cândido Vacarezza (PT-SP).
O Brasil é o terceiro país que mais demanda dados do Google, perdendo apenas para Índia e EUA. No ano passado, foram feitas solicitações sobre 5.166 usuários.
O principal argumento da empresa para recusar os pedidos tem sido que as informações ficam armazenadas fora do país, justamente o que o governo quer mudar.
Procurados, Google e Facebook não quiseram comentar sua atuação no Brasil.
Em 2012, o Google gastou US$ 16,5 milhões em lobby nos EUA. Lá, a ação de lobistas é regulamentada.
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Renata Agostini, da Folha de S.Paulo