Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sinais vitais preservados

Os principais jornais de circulação nacional parecem revigorados na quinta-feira (8/8), mas não se pode afirmar se por méritos próprios ou por imposição dos fatos. Algumas decisões editoriais apontam para mudanças que já haviam sido notadas por outros observadores, por exemplo, no registro de que a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo davam sinais de ter desembarcado do apoio incondicional ao partido que governa os paulistas há quase duas décadas (ver “Tucanos começam a ser abandonados”).

Outras escolhas parecem indicar que a imprensa tradicional está sendo obrigada a ampliar a diversidade de interpretações que costuma oferecer aos seus leitores sobre o cotidiano, com a emergência de novas fontes de informações e opiniões no ambiente digital.

Na Folha, surpreende a decisão de inserir o nome do ex-governador José Serra no meio do escândalo detonado pela revelação de que um cartel de empresas comandou as obras do sistema de metrô e trens metropolitanos em São Paulo.

Embora, acertadamente, o jornal tenha oferecido ao ex-governador um espaço generoso para suas explicações, “bondade” que nem sempre contemplou outros personagens de histórias pouco edificantes, sua citação como tendo proposto um acerto entre a alemã Siemens e a espanhola Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles, fornecedoras de trens e equipamentos, para resolver uma licitação, é fato inusitado.

Nesse mesmo assunto, também surpreende a disposição do Estado de S.Paulo de buscar novos elementos informativos em fontes diversas, revelando, por exemplo, como funcionou o sistema de pagamento de propina por parte da francesa Alstom, também envolvida no escândalo, a integrantes do governo paulista e do PSDB. Na parte do esquema que tem a Siemens como epicentro, o Estado revela a existência de conta bancária na Suíça, por meio da qual teriam sido feitos pagamentos a diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos entre 2001 e 2002.

O Globo segue de longe o caso que lança os tucanos paulistas no inferno astral, mas se destaca em outros temas, como nos dados sobre a queda da inflação, assumindo que a menor alta em três anos, para o mês de julho, remete o custo de vida de volta à meta do governo federal.

Interessante observar também que o jornal carioca destaca o fato de que as manifestações de junho foram determinantes para a queda dos indicadores, porque obrigaram muitas prefeituras a congelar as tarifas de transporte público, o que produziu um efeito significativo no resultado geral.

Respirando sem aparelhos

Há algo de surpreendente num dia como este, em que as edições dos três principais jornais do país parecem oferecer uma visão mais diversificada da realidade nacional, depois de haverem se dedicado, semana após semana, a incutir na população o veneno do catastrofismo, com manchetes negativas sobre a economia, e após terem produzido uma sucessão de reportagens e artigos tentando vincular o atual governo à insatisfação das ruas.

Teriam os editores dos jornais sofrido uma crise de consciência, após o confronto entre a visão tradicional da imprensa e a perspectiva da multiparcialidade, inserida nos debates públicos por entrevistas dos jovens do Mídia Ninja natelevisão?

Muito improvável. O que parece mais verossímil é uma conjunção de elementos que podem ser coletados nos próprios jornais.

Primeiro, a decisão dos diretórios do PSDB de sacramentar a candidatura do senador mineiro Aécio Neves à Presidência da República no ano que vem passa a exigir de seus correligionários – em especial aqueles colocados em postos importantes da imprensa – uma ação política objetiva. Nesse sentido, é mais conveniente acelerar a apuração do escândalo que envolve o PSDB paulista, ao contrário do que ocorreu no caso do chamado “mensalão”, que foi deliberadamente arrastado como um cadáver insepulto por pelo menos cinco anos.

Segundo, considere-se o soluço dos preços, que a imprensa tentou transformar em inflação galopante e até em “carestia” – expressão absolutamente inapropriada para a situação econômica do Brasil –, propalada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo senador Neves e exaustivamente repetida por jornais e revistas entre abril e junho. Analistas prestigiados pela imprensa tradicional vêm dizendo que a oscilação dos preços faz parte do contexto comum aos mercados emergentes, e que nada indica o risco de uma volta da inflação.

Em terceiro lugar, observe-se que, no caso do escândalo que afeta o núcleo fundador do principal partido de oposição ao governo federal, há sinais claros da ocorrência de “fogo amigo”, ou seja, parte das informações que chegam aos jornais tem origem no próprio PSDB.

Muito mais se poderia dizer, e a complexidade dos fatos desautoriza especulações, mas na quinta-feira, 8 de agosto, o jornalismo parece estar respirando sem ajuda de aparelhos.