A notícia é alarmante: “Amazon se prepara para vender livros físicos no Brasil.” O alarme não se limita à iminente entrada da Amazon no mercado brasileiro de livros – algo que lembrará o passeio de um brontossauro pela Colombo. A ameaça começa pela expressão “livros físicos”. É o que, a partir de agora, o diferenciará dos livros digitais.
Pelos últimos mil anos, dos manuscritos aos incunábulos e aos impressos a laser, os livros têm sido chamados de livros. Nunca precisaram de adjetivos para distingui-los dos astrolábios, das guilhotinas ou das cenouras. Quando se dizia “livro”, todos entendiam um objeto de peso e volume, composto de folhas encadernadas, protegidas por papelão ou couro, nas quais se gravavam a tinta palavras ou imagens.
Há 200 anos, os livros deixaram de ser privilégio das bibliotecas públicas ou particulares e passaram a ser vendidos em lojas especializadas, chamadas livrarias. Desde sempre, as livrarias se caracterizaram por estantes altas, vendedores atenciosos, uma atmosfera de paz e a ocasional presença de um gato. Foi nelas que leitores e escritores aprenderam a se encontrar e trocar ideias, gerando uma emulação com a qual a cultura teve muito a ganhar.
Um cartão de crédito e um clique
A Amazon dispensa tudo isso. Ela vende livros “físicos”, mas a partir de um endereço imaterial – nada físico –, acessível apenas pela internet. Dispensa as livrarias. Se você se interessar por um livro (certamente recomendado por uma lista de best-sellers), basta o número do seu cartão de crédito e um clique. Em dois dias, ele estará em suas mãos – e a um preço mais em conta, porque a Amazon não tem gastos com aluguel, escritório, luz, funcionários humanos e nem mesmo a ração do gato.
Com sorte, os livros continuarão “físicos”. Mas os leitores correm o risco de ser reduzidos a um número de cartão de crédito e um clique.
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Ruy Castro é colunista da Folha de S.Paulo