“Quando as pessoas temem o governo, isso é tirania. Quando o governo teme as pessoas, isso é liberdade” (Thomas Jefferson)
No dia 18 de maio, durante um show do Lobão, na virada cultural em São Paulo, um sujeito, que muito provavelmente não leu o mais recente livro do músico, mas ainda assim não gostou, decidiu refutar as opiniões contidas no mesmo de uma maneira inovadora: acendeu um laser na cara do artista no momento em que ele se apresentava. Questionado sobre o que o levou a cometer tal ato, afirmou que aquilo era “uma violência simbólica” contra Lobão, que, segundo o cara do laser, havia cometido preteritamente “violência simbólica contra as vítimas da ditadura”.
O ato descrito acima denota o nível de indigência intelectual com o qual grande parte das pessoas encara como se devem enfrentar pontos de vista divergentes no Brasil hodierno. O estágio imediatamente anterior, a meu ver, se dá por meio das rotulações que se fazem ao deparar com opiniões das quais discorda, reduzindo-as a um amontoado de frases de efeito que automaticamente emergem no cérebro adestrado do contendor de maneira quase pavloviana.
Como bem sintetizou o autor desse artigo aqui (link http://joselitomuller.wordpress.com/2013/04/23/os-delirios-de-dolores-como-o-feminismo-pode-afetar-o-cerebro-humano/), “reduzir uma opinião contrária à sua ao termo ‘hipocrisia’ é preguiça mental, já que implicitamente deixa transparecer que considera que fixar rótulos na testa alheia é suficiente para desqualificar suas opiniões”.
Reações curiosas
Substitua na frase o termo “hipocrisia” por fascismo, homofobia, racismo, machismo, reacionarismo e afins, e está aí a síntese da “contra argumentação” de um militante de esquerda a um posicionamento do qual ele discorda. Desnecessário é dizer que as rotulações não servem só para os argumentos, mas também e principalmente para quem os emite.
Comum é sair da boca de um militante de esquerda a expressão: “Com esse reaça eu nem discuto”, ou “Fulano é um fundamentalista”, chavões que, segundo a mente doentia daquele que foi adestrado, têm o condão de transformar todos a quem são remetidos em sinônimos de tudo o que não presta, ao mesmo tempo em que reforça a ideia de que o emissor pertence ao beautiful people, é um cara do bem e progressista.
As reações acima aludidas são despertadas diante de certas posturas, do mesmo modo que o cachorro do russo salivava quando escutava o sino. Ser contra as cotas raciais, dizer que a Lei Maria da Penha fere o princípio constitucional da isonomia ou afirmar que a Comissão da Verdade deveria investigar as organizações guerrilheiras são algumas das senhas para despertar aquelas reações. Entre todas as reações, as mais curiosas são aquela oriundas da oposição à opinião antiaborto – taxada de fundamentalismo religioso, mesmo se você for ateu, como é meu caso – e aquela que ocorre quando alguém fala mal do PT, que automaticamente passa a ser filiado do PSDB ou do DEM.
Recentemente fui alvo de ambas, mas devo destacar que o mais divertido foi tomar conhecimento desse artigo aqui: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed747_ingenuidade_perigosa_nas_redes_sociais , no qual o autor, Sergio da Motta e Albuquerque, entre outras coisas, diz que eu finjo ser semianalfabeto. No referido trabalho, ele comenta os nefastos efeitos da minha postagem sobre a criação do #BolsaPuta e ironiza o título de meu blog ser “Jornalismo destemido”, uma vez que afirma o seguinte:
“O blogueiro desconhecido, que se identifica como ‘Joselito Müller, o homem do jornalismo destemido’, permaneceu altaneiro e desafiador: ‘Podem processar que eu não tenho medo’, dizia ‘Joselito’. Ao mesmo tempo, desculpou-seà senadora, prometeu revelar seu nome e reconheceu o erro.”
O nosso amigo, para bancar o espertão, tenta dar a impressão que eu fiquei com o rabinho entre as pernas e, ao mesmo tempo em que bradava, consertava a besteira que tinha feito outrora como um fanfarrão, como diria o Capitão Nascimento.
Talvez a ironia que utilizei, aproveitando meus cinco minutos de fama, para trazer ao meu exíguo público alguns “podres” reais da senadora Ana Rita e de seu companheiro Wellington Dias, tenha sido demasiadamente complexa para Sergio, que preferiu ver a postagem aludida como um amedrontado pedido de desculpas – termo que vocês, por mais que vasculhem, não vão encontrar em nenhuma postagem sobre o episódio.
Mais à frente, Sergio, que afirma que eu finjo ser semianalfabeto, diz o seguinte sobre esse texto aqui (link: http://joselitomuller.wordpress.com/2013/05/17/agora-falando-serio-a-noticia-sobre-o-bolsa-pta-e-falsa/):
“O blogueiro aproveitou a situação para atacar a atual administração, que segundo ele é a principal responsável pela disseminação de mentiras na web.”
Autoridade moral
Prefiro não acreditar que nosso amigo tenha usado de má-fé no trecho transcrito, pois acredito que se tratou de falta de capacidade de interpretar um texto mixuruca como o retro linkado. Se “ataquei a atual administração”, como ele diz, não foi por achar que a mesma é responsável pela disseminação de mentiras na web, e sim por considerar que os absurdos protagonizados pelo governo e pelos políticos em geral geram uma conjuntura na qual mentiras absurdas se tornam verossímeis, como foi o caso da “notícia” sobre a bolsa para garotas de programa. (para quem não leu: http://joselitomuller.wordpress.com/2013/05/10/senado-aprova-pagamento-de-bolsa-mensal-de-r-2-00000-para-garotas-de-programa/)
Vejamos mais um trecho do artigo do nosso amigo:
“O homem é perigoso e mal intencionado. É, na realidade, um elemento nocivo ao trabalho de todos os blogueiros políticos sérios que existem no Brasil. Seu blog é um espaço para piadas e brincadeiras de péssimo gosto e inclinações fascistoides. E registra imensa disseminação a partir dele da informação falsa no Facebook e no Twitter.”
Aqui, afora as adjetivações vazias, faz-se necessário notar que, em verdade, inclinação fascistóide é querer ter ingerência sobre o que outra pessoa escreve em seu blog. Faltou ao nosso amigo explicar como alguém que posta “piadas e brincadeiras de péssimo gosto” pode ser tão nocivo “ao trabalho de todos os blogueiros políticos sérios que existem no Brasil”.
Não obstante a lisonja de ser considerado “nocivo” ao trabalho de todos os blogueiros políticos sérios do país, como ele mesmo disse, devo dizer que, se sou digno de tal epíteto, é graças a incompetência e subserviência de tais “blogueiros sérios”que, em sua maioria, não têm autoridade moral para uma nota de 50 reais estendida pelo governo sob pretexto de “incentivar a blogsfera progressista”.
“Sangue rubro”
Mais à frente, Sergio dispara sem dó nem piedade:
“‘Joselito” fez questão de afirmar no Twitter que ‘não é réu primário’ e já cumpriu pena por ‘por homicídio e extorsão mediante sequestro com resultado de morte’, ameaçou. Ele intimida explicitamente quem lhe faz oposição, a menos que seja uma autoridade. Ele finge ser semianalfabeto, mas quem lê a fundo o que ele escreve vê que a coisa não é tão simples assim: ele conhece a lei, e parece usar um português vulgar como instrumento para esconder sua verdadeira identidade.”
Sinto decepcionar nosso amigo, mas a afirmação de que cumpri pena foi uma pilhéria em resposta a um patrulheiro ideológico que me perguntou, em tom de deboche, se sou réu primário. Mais uma vez, Sergio tenta dar a impressão que sou um covardezinho que só falo grosso com “peixe pequeno”. Como afirmar que ameaço “quem faz oposição” a minha pessoa, se o que ficou claro com o episódio do #BolsaPuta foi justamente o contrário? Veja a reação da senadora e de seus correligionários, que além da ameaça de processo, ocuparam a caixa de comentários de meu blog com os mais chulos xingamentos que eu, gargalhando da histeria dos afetadinhos, liberei quase todos!
Numa tentativa se sintetizar meu perfil, o autor do texto, entre outras coisas, diz o seguinte:
“>> Proclama-se anarquista, mas isso não é compatível com suas ideias;
>> Tem uma agenda ultraconservadora e uma veia agressiva;
>> Parece também bem sustentado por gente mais poderosa do que o alcance de suas mentiras.”
Se o amigo pudesse me dar o endereço do local onde devo me inscrever para me tornar anarquista, eu agradeço, já que minhas ideias “não são compatíveis com isso”, segundo ele. Essa assertiva, imagino, se dá pelo fato de Sergio, com sua mente binária e maniqueísta, acreditar que quem faz críticas ao PT é de direita, e sendo de direita, obviamente não pode ser anarquista, pois anarquismo, conforme ele aprendeu na oitava série, é coisa daqueles caras que não tomam banho, usam cabelo moicano e vestem camisa do Ramones. Devo reconhecer que ele acertou ao dizer “veia agressiva” ou, como disse Maiacovski: “Em nossas veias correm sangue rubro, não água morna”. Mas Sergio errou feio ao especular que seu sustentado seja lá por quem for.
Dados pessoais
É a velha mania de achar que qualquer posicionamento ideológico, qualquer crítica no campo da política, ainda que por meio de sátiras, tem um propósito eleitoreiro e é custeada pelo “imperialismo” e pelas “forças conservadoras”.
Agora minha parte preferida:
“Seu perfil sugere conexões com a ultradireita e com os opositores antidemocratas de um governo democraticamente eleito e bem aceito pela população. Mas o homem pode muito bem ser um ‘franco-atirador’ a operar sozinho. Pessoalmente, não acredito nisso, mas é uma possibilidade concreta. Joselito desmentiu tudo (17/5), quando viu que a coisa estava a esquentar. Mas o fez em seus termos: entre o material publicável que encontrei ele chamou de ‘deficientes cognitivos’ todos aqueles que acreditaram em sua postagem, e depois de desmentir a mesma sobre a senadora e seu suposto projeto de financiamento a prostituição, publicou uma série de links para publicações que fazem oposição sistemática ao governo, incluindo algumas que envolvem a senadora Ana Rita. O blogueiro quase sempre mira o PT em suas postagens.”
Só faltou o homem dizer que sou a reencarnação do Goebbels e que faço parte de uma conspiração secreta para dar um golpe de Estado. Há o que refutar nesse parágrafo? Sergio ignora que um governo democrático é passível de críticas.
Os deficientes cognitivos, devo dizer mais uma vez, são aqueles que deram pulinhos de alegria ao saber que a senadora Ana Rita me processaria, achando que com isso eu me calaria.
A título de esclarecimento, devo revelar que no dia seguinte à publicação da nota da senadora desmentindo o boato sobre a tal “bolsa”, pedi para meu advogado ligar para o gabinete dela e informar meus dados. O assessor que atendeu ao telefone, não esperando tamanha “ousadia”, informou que não era lá que meus dados tinham que ser informados, mas sim na Polícia do Senado. Ligando para a Polícia do Senado, fomos informados que não era lá que eu deveria me identificar, mas sim na Procuradoria do Senado. Meu advogado ligou para a Procuradoria e aí, sim, finalmente aceitaram meus dados, que foram informados tanto por telefone, como por e-mail.
Enfrentei essa dificuldade para informar meu nome, telefone e endereço, ao mesmo tempo em que o site do Senado estampava com toda pompa que a PF estava investigando o autor do boato (link: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/05/16/policia-investiga-autoria-de-noticia-falsa-sobre-o-senado). É ou não pra rir?
Menos mal
Por derradeiro, apreciemos esta pérola:
“Joselito debochou do povo que acreditou nele. Chamou todos de ‘deficientes cognitivos’. Agora ficou sem apoio e marcado pelos que foram enganados e ofendidos, os que já desconfiaram desde o início, e aqueles que tomaram conhecimento do caso e condenaram sua postagem absurda e maligna.”
Aqui, nosso amigo joga para a plateia, deixa implícita uma lição de moral, tal qual comadre ensinando bons modos à meninada: “Taí o que acontece com quem mente, fica sem apoio de ninguém”.
O discurso raivoso de Sergio da Motta e Albuquerque é tão somente uma reação previsível de gente que, ao deparar com o que discorda, aciona automaticamente o interruptor do laser, como no exemplo citado no início deste texto, ou das frases de efeito.
Independentemente do conteúdo que eu publicasse na web, sua reação – para a qual ele tenta dar ares de análise – seria a mesma: tentar me jogar no time dos seus adversários, taxar-me de “fascistoide” por falar mal do governo, dizer que sou financiado por poderosos e atribuir a mim defeitos que acredita ser intrínsecos a quem compartilha de ideologia oposta à sua, tais como covardia e venalidade.
Mas ainda é menos mal que Sergio tenha tentado discutir. O debate só não será mais interessante porque, enquanto eu finjo ser semianalfabeto, ele não precisa fingir.
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Joselito Müller é blogueiro, Natal, RN