A decisão do Ministério Público Eleitoral de pedir a punição da Folha de S.Paulo por ter publicado entrevista, no dia 4 passado, com a ex-ministra Marta Suplicy, está sendo fortemente contestada. Para o promotor Eduardo Rheingantz, um dos autores da representação contra o jornal, a entrevista foi ‘propaganda eleitoral antecipada’, já que Marta é pré-candidata à prefeitura de São Paulo. O cientista político Roberto Romano, especialista em ética pública, considera que a medida do Ministério Público Eleitoral é uma ‘recaída autoritária’. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também considerou equivocada a medida da promotoria.
– Respeito muito o trabalho do Ministério Público, mas isso é uma recaída autoritária, um atentado à liberdade de imprensa – afirmou Roberto Romano, professor da Unicamp, que continuou: – Não tem sentido essa representação judicial contra o jornal. Vi a entrevista, e ela não tem caráter eleitoral e nem de propaganda. A pessoa pode ser entrevistada a todo momento. Foi um excesso de zelo.
‘Por que candidato não pode ser entrevistado?’
O cientista político afirmou que o promotor, ao fazer a representação contra o jornal, subestimou a capacidade de compreensão dos leitores:
– O promotor está considerando o leitor como um menor de idade e quer exercer a tutela dele. Mas o leitor não precisa de tutores nem de censores. Vivemos o tempo da maioridade. Dessa maneira, daqui a pouco, teremos meia dúzia de censores decidindo o que deve ou não ser publicado. Por que candidato não pode ser entrevistado? Quando o presidente Lula foi a São Paulo fazer a campanha de Marta à reeleição (em 2004), não houve esse tipo de severidade contra ele. Então, essa severidade sobre a imprensa é inoportuna.
A editora-executiva da Folha, Eleonora de Lucena, classificou a medida do Ministério Público de inaceitável. De acordo com ela, o advogado do jornal já entregou o documento de defesa à Justiça Eleitoral.
– A Folha considera a representação da Promotoria uma equivocada e inaceitável tentativa de cerceamento ao direito de informação e à liberdade de imprensa consagrados na Constituição – disse Eleonora.
Período eleitoral não é de ‘censura ou restrição’
No documento remetido à Justiça Eleitoral, que ainda não decidiu se acolherá a representação da promotoria, o advogado Luis Francisco Carvalho Filho, que defende o jornal, afirma que, sendo ‘período eleitoral ou pré-eleitoral, não importa, não se constitui em período de censura ou de restrição à informação jornalística. É interesse do leitor saber e é dever do jornal divulgar o pensamento das diversas forças políticas que disputarão o governo da maior cidade do país’.
Adversários não criticam entrevista de Marta
O prefeito Gilberto Kassab (DEM) disse ao jornal que acha natural a entrevista concedida pela ex-ministra. Outro pré-candidato à prefeitura, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), principal adversário de Marta, disse ao Globo na sexta-feira (13/6), por meio de sua assessoria, confiar na cobertura jornalística das eleições.
‘A imprensa tem o dever de informar e a sociedade tem o direito à informação. Acredito que a imprensa irá fazer uma cobertura isenta e equilibrada nesses tempos de eleição’, disse Alckmin.
Ricardo Pedreira, da ANJ, afirmou que a entidade lamenta a iniciativa do Ministério Público Eleitoral.
– A ANJ avalia que a medida, que foi um exagero da Promotoria, é um equívoco porque considera propaganda o que é jornalismo. Lamentamos e esperamos que a Justiça defina claramente essa diferença para não inviabilizar o exercício da liberdade de imprensa
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Ameaça de censura
Editorial da Folha de S.Paulo, 13/6/2008
A pretexto de coibir abusos nas campanhas para o pleito municipal de outubro, a promotoria de Justiça Eleitoral ofereceu representação contra a Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha. Considerou propaganda eleitoral antecipada a publicação, em 4 de junho, de entrevista com Marta Suplicy, pré-candidata do PT à Prefeitura de São Paulo.
A um só tempo, representantes do Ministério Público atropelaram o vernáculo, o direito à informação e, o que é mais grave no caso de promotores, a própria ordem jurídica vigente.
O primeiro e mais fundamental equívoco da promotoria é não distinguir entre os termos ‘propaganda’, a mensagem em geral paga que tem o intuito de convencer, persuadir, e ‘material jornalístico’, que objetiva informar o leitor. A Folha não tem vínculo com nenhum partido político ou candidato.
Deve-se, porém, observar que, se o jornal desejasse apoiar e promover um postulante a cargo eletivo, teria pleno direito de fazê-lo. É verdade que a Lei Eleitoral (nº 9.504/97) e a resolução nº 22.718 do TSE impõem, nos três meses que antecedem o pleito, limitações à divulgação de material jornalístico, mas elas se aplicam ao rádio e à TV, não a publicações impressas.
Existem razões precisas para que o legislador tenha procedido a essa distinção. Rádios e TVs são concessões públicas, pois transmitem suas programações através de ondas eletromagnéticas, que comportam um número determinado de sinais. Permitir que um concessionário promova o candidato de sua preferência valendo-se de um recurso que é de todos poderia configurar uma violação ao princípio da impessoalidade do poder público.
Tal limitação física, entretanto, inexiste para a imprensa. Historicamente, os primeiros jornais surgiram vinculados a grupos e partidos políticos. Isso não impediu as agremiações rivais de também lançarem as suas publicações, acrescentando assim mais engrenagens ao maquinismo da democracia plural.
É digno de nota que o Ministério Público esteja empenhado em coibir os abusos. É fundamental, porém, que o faça em plena conformidade com a lei e com os princípios do direito à informação e da liberdade de imprensa consagrados no texto constitucional, que proíbe toda forma de censura.