Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um prazer à moda antiga

Como foi só em 1985 que Mike McAlary começou a cobrir polícia para os tabloides de Nova York, o cenário que representava uma Redação em “Lucky Guy”, peça de Nora Ephron com a qual estreei recentemente na Broadway, tinha processadores de texto, e não máquinas de escrever. Foi uma pena. Nós, da trupe, teríamos amado batucar desajeitadas, enormes máquinas de escrever, pelo simples som que elas fazem.

Bom, eu teria amado, uma vez que tenho pleno conhecimento do barulho atordoante que dá para se tirar de uma velha máquina de escrever manual. Eu uso uma dessas –e também uso os correios– quase todos os dias. Minhas vagarosas cartas e meus bilhetes de agradecimento, meus memorandos e minhas listas de afazeres, além de vagos –realmente vagos –esboços de histórias são bagunçados, mas poucas coisas no meu cotidiano me satisfazem mais do que produzir esses papéis.

Confesso que, quando é trabalho de verdade o que tenho de fazer –documentos que exigem tanto rigor quanto um ensaio de fim de ano de faculdade–, eu uso um computador. O fluxo da escrita pede a fluência da tecnologia moderna, e quem não gosta de poder escolher uma nova fonte como Franklin Gothic Medium, Bernard MT Condensed ou Plantagenet Cherokee?

Para escritos desimportantes, do tipo que não vai além da sua escrivaninha ou da porta da geladeira, o prazer táctil de escrever à moda antiga não encontra comparação naquilo que se obtém de um laptop último tipo.

Teclados de computador emitem um tímido tec-tec-tec, do tipo que você ouve quando vai ao Starbucks –pode ser que o ruído venha de trabalho sério sendo produzido, mas ele parece pequeno e discreto, como agulhas de tricô das quais brotam pares de meias.

Tudo o que se datilografa numa máquina de escrever soa grandioso, as palavras se formam em miniexplosões: TCHAC, THAC, THAC. Um bilhete de agradecimento ressoa com o mesmo fragor que uma obra-prima da literatura.

O ruído produzido ao datilografar é uma boa razão para ter uma velha máquina de escrever –infelizmente, são só três razões, e nenhuma delas é conforto ou agilidade. Além do som, há o genuíno prazer físico que envolve o ato de datilografar; a sensação é tão boa quanto soa, os músculos das suas mãos controlam o volume e a cadência do assalto auditivo, de modo que o espaço ao redor ecoa o staccato das suas sinapses.

Você pode escolher o modelo da sua máquina de escrever que mais se encaixe com a sua identidade sonora.

Remingtons dos anos 30 fazem THICK THICK. Uma Midcentury Royal parece uma voz repetindo CHALK. CHALK. CHALK CHALK. Mesmo as máquinas de escrever fabricadas na aurora dos aviões a jato (suficientemente compactas para caberem nas mesinhas dos primeiros 707s), como a Smith Corona Skyriter e as joias do design da Olivetti, fazem FITT FITT FITT, como balas disparadas pela pistola automática de James Bond.

Escrever numa Groma, exportada para o Ocidente de um país comunista que não existe mais, soa a trabalho, trabalho duro. Feche os olhos enquanto você martela o teclado, e você se sentirá como um ferreiro dando forma a frases que saem, incandescentes, direto da fornalha da sua mente.

Moby Dick

Faça essa experiência: escreva, no seu laptop, a primeira frase de Moby Dick e ela vai soar como chamaimeishmael. Agora repita o procedimento numa Olympia dos anos 1950 (tenho duas, caso você precise de uma) e observe: CHAMAI! ME! ISHMAEL! Use seu iPad para fazer uma lista de tarefas e ninguém vai nem notar –não que devesse. Mas datilografe a mesma lista numa velha Triumph, Voss ou Cole Steel, e o mundo saberá que você tem uma agenda a cumprir: ETIQUETAS DE BAGAGEM! EXTENSÕES! LIGAR PARA A EMMA!

Para ter uma máquina de escrever, é necessário ter espaço e renunciar ao luxo fácil da tecla “delete”, mas cada centímetro do que se sacrifica em precisão se conquista em exuberância. Nem se preocupe em usar uma fita corretiva, líquido corretor ou papel translúcido, daquele que facilita apagar.

Não há por que se envergonhar das sobreposições e de cobrir com XXXXX uma palavra tão mal batida que um corretor ortográfico não seria capaz de decifrar. Essas cicatrizes serão um fator tão importante da sua escrita quanto o seu dom (ou falta de) para as palavras.

O aspecto físico da datilografia fornece a terceira razão para usar uma relíquia do passado como instrumento de escrita: permanência. Talvez somente palavras gravadas em pedra durem mais do que uma carta datilografada, porque a tinta de fato se impregna na fibra do papel, em vez de ser depositada sobre a sua superfície como acontece com um documento impresso a laser ou na definitiva IBM Selectric –o artefato que fez da máquina de escrever manual um objeto obsoleto.

Acerte um Y numa máquina alemã Erika e um verdadeiro martelo atinge a fita da máquina, levando a tinta até o âmago do papel, onde será visível para toda a eternidade, a não ser que você pinte algo por cima ou queime a folha.

Ninguém se desfaz de cartas datilografadas, pois elas são como peças de artes gráficas, tão singulares quanto impressões digitais, uma vez que nenhuma máquina manual grava o papel exatamente da mesma forma como outra.

E-mails desaparecem de qualquer servidor que não seja do Google ou da NSA. Mas saque uma Brother De Lux 895 dos anos 1960 para disparar um “A festa foi demais! Obrigada por sacudir nossos esqueletos até as três da manhã!” e daqui a 300 anos aquele bilhete ainda vai ter lugar na coleção de um aficionado, que o guardará com o mesmo zelo com que conserva uma nota fiscal de 1776 registrando a venda de 12 belos barris de cerveja.

A máquina em si pode durar tanto quanto as pedras de Stonehenge. Máquinas de escrever são peças robustas, feitas de aço, e foram pensadas para ser espancadas, como de fato são. Algumas teclas da Underwood do meu pai –comprada de segunda mão logo depois da guerra e usada durante o único ano em que frequentou a universidade– estavam tão gastas pelo castigo infligido por seus dedos que acabaram deformadas e apagadas. A tecla S era só um cotoco. Eu a levei a uma oficina com a ideia de dar só uma limpada, mas ela voltou com todas as teclas novinhas. Adeus, papai, e maldito seja o funcionário da oficina.

De todo modo, eu ainda tenho a máquina, e ela funciona, assim como quase todas as máquinas de escrever que ocupam meu escritório, minha casa, meu depósito e o porta-malas do meu carro, uma coleção que teve início quando, em 1978, o proprietário de uma oficina se recusou a consertar a minha máquina de escrever, quase toda feita de plástico.

“Um brinquedo sem serventia!”, o homem berrou. Sim, ele berrou. Ele apontou para prateleiras cheias de máquinas recondicionadas –tinham décadas de existência, mas todas funcionavam perfeitamente. “Uma máquina de escrever era uma máquina”, gritou ele, “que podia ser jogada em pleno voo de um avião e continuaria a funcionar!”.

Ele me ofereceu, por um bom preço, uma Hermes 2000 (“O Cadillac das máquinas de escrever!”) que tinha uma alavanca para regular a tensão das teclas e cuja régua era a mais precisa e afinada que já se viu. Desde então, comprei a 3000, a Baby e a gloriosa Hermes Rocket: todas ocupam minhas prateleiras e cada uma delas é mesmo um carrão.

Não existe nenhum outro motivo –além de uma avareza mal dirigida (culpado!)– que justifique alguém acumular centenas de máquinas de escrever velhas. Quase todas saem por uns US$ 50, a não ser que, digamos, Hemingway ou Woody Allen as tenham usado antes de você. As fitas se encontram facilmente no eBay.

Uma ou outra máquina de escrever dos anos 70 ainda pode ser deixada para seus netos ou ficar guardada numa garagem até o milênio que vem, quando um arqueólogo vai desencavá-la, limpá-la, lubrificá-la. Certamente em 3013 será possível renovar a tinta da fita, e uma carta batida a máquina poderá então ser expedida naquele exato dia –desde que a máquina não sobreviva à indústria de papel.

Pensando bem, acho que é bom eu começar a acumular itens de papelaria e rezar para que os correios sobrevivam.

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Tom Hanks, 57, ator americano, declarou originalmente no New York Times sua paixão por máquinas de escrever