Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que a ‘Folha’ foi contrária ao MPL?

Se é nas entrelinhas das notícias e reportagens que notamos, muitas vezes com certa dificuldade, a parcialidade de um determinado veículo de imprensa, nada melhor que um artigo de um de seus colunistas para perceber o óbvio: o direcionamento e posicionamento político de um jornal. Pena que tenhamos que esperar um de seus colaboradores ser “menos inibido” em suas palavras, mesmo que bisonhas. Pena também que poucos são aqueles que leem ou têm acesso aos colunistas, em comparação, claro, com as tradicionais manchetes que disputam a atenção dos leitores.

Vinícius Mota é secretário de redação da Folha de S.Paulo. Não é preciso imaginar muito para saber que tal função tem papel preponderante na definição de pautas e no direcionamento que o jornal dá aos assuntos que orientam a política e a sociedade de modo geral.

Pois bem, em seu artigo publicado hoje (12/08), intitulado “O teste dos protestos”, fica evidente porque a Folha de S.Paulo, durante toda a primeira semana do início dos protestos que tomaram conta da cidade de São Paulo, iniciados pelo Movimento Passe Livre – MPL, se posicionou de maneira tão contrária ao movimento, optando por denegrir e rebaixar a ação popular até que seus próprios jornalistas foram alvos de repressão policial: ora, a direção que pauta este jornal é, ainda, contrária e vê as manifestações como um “campo infértil” no qual serve apenas para interesses políticos partidários contrários, claro, aos da própria Folha de S.Paulo.

Com frases como “A atração gravitacional de lugares como Maresias, Búzios, Porto Seguro e Machu Picchu deve ter agido aqui mais ou menos como o inverno russo para as tropas de Napoleão” evidenciam o tratamento dado às manifestações como se não passassem de uma brincadeira de estudantes abastados (ou passear em Búzios e fazer viagens internacionais é o padrão de quem ganha um salário mínimo?).

Pautado como loteria esportiva

Também diz que o MPL fez “beicinho” para anunciar sua retirada das manifestações tentando ligar tal atitude à crítica ao PT, quando sabemos que os fatores se tornaram bem mais amplos, como a queima de bandeiras dos movimentos sociais (negro e LGBT), além da clara tentativa de usurpação e esvaziamento da pauta principal dos protestos, a mobilidade urbana.

Acompanhando a atitude do próprio jornal em que, mesmo diante de evidências por toda a parte, silenciou diante das denúncias que a IstoÉ escancarava sobre os milhões que abasteceram as irregularidades no metrô e trens de São Paulo, reduz a pauta da convocação do MPL para amanhã como mero ataque aos tucanos. Vê-se que, assim como a Folha faz uma cobertura pífia sobre o caso, o articulador não leu as denúncias e não tem (ou não quer ver) a gravidade do caso dos trens paulistas e o desdobramento que isso se deu sobre o cidadão paulistano após anos de propinas e contratos com cartas marcadas, extremamente danosos ao interesse público.

Não satisfeito, traz à pauta uma mania chata e corriqueira do jornalismo esportivo raso: a tentativa de impor uma competição onde não há, a criação de expectativas para regular e posteriormente desclassificar o que quer que seja, ao perguntar se o “MPL conseguirá arregimentar multidão comparável em tamanho e perfil” como em junho passado. Movimento social sendo pautado como loteria esportiva. Façam suas apostas. Uma pena.

Como a Folha de S.Paulo permite que os não assinantes visualizem apenas 40 acessos por mês, segue a íntegra do artigo publicado no jornal. E que cada um tire sua própria conclusão.

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12/08/2013

O teste dos protestos

Que fatores terão contribuído para a dispersão da impressionante onda de protestos da última quinzena de junho?

É melhor apostar num conjunto de vetores. O recuo das autoridades nas tarifas de ônibus; a falta de líderes e objetivos condutores; o cansaço do exercício cívico reiterado; a violência, latente e explícita, dos episódios; o fechamento da janela global da Copa das Confederações.

E as férias escolares. A atração gravitacional de lugares como Maresias, Búzios, Porto Seguro e Machu Picchu deve ter agido aqui mais ou menos como o inverno russo para as tropas de Napoleão.

Não parece coincidência que o Movimento Passe Livre tenha esperado a volta às aulas para tentar reacender a centelha da revolta maciça – já que grupelhos menos ou mais violentos continuam a bloquear vias e a depredar nas grandes cidades.

O ato marcado para depois de amanhã nesta capital será um teste interessante. O MPL, um movimento juvenil conectado com sindicatos, teses e grupos de esquerda, passou a não gostar da brincadeira que havia iniciado justamente quando ela ganhou corpo e conotação apartidária.

Fazendo beicinho, o MPL chegou a anunciar sua retirada das manifestações – o que não faria diferença àquela altura – quando o PT foi criticado pela tentativa de embarcar nos protestos. O disfarce oposicionista falhou: nas ruas de São Paulo, porta-bandeiras petistas foram lembrados, nem sempre com bons modos, de que sua sigla governa a cidade e o país.

O MPL volta à carga cercado dos companheiros de sempre, incluindo o PT. A pauta da convocação, centrada no metrô, é uma tentativa de ataque aos tucanos. O teste da quarta-feira será de duas ordens. O MPL conseguirá arregimentar multidão comparável em tamanho e perfil – mais de 80% sem preferência partidária – às do final de junho? Em caso afirmativo, conduzirá a pauta da indignação?

FIMDOPTEXTO

RODAPÉ Alexandre Marini é estudante, Belo Horizonte, MG

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ORDEM 013

CHAPÉU MATERIALISMO ESTÉTICO

TÍTULO O ‘fandom’ Ninja e a poética do cotidiano

AUTOR Raphael Pinto

OLHO

TEXTO

As manifestações ocorridas no Rio de Janeiro, movimentadas na rede social, retornam a possibilidade de um fandom do grupo Mídia Ninja carente de investigação sem os juízos e direcionamentos gramáticos iluminados dos pesquisadores da área. A poética do cotidiano, exaltada na experiência estética e irrompida nas plataformas digitais, traz questões relevantes para os estudos culturais voltados para o materialismo estético.

A partilha de afetos comuns, a identificação pelo sensível e a arte pop direcionam alternativas de deslocamentos narrativos a partir da aproximação afetiva; ou até mesmo, uma suspensão cotidiana, perpassados e experimentados por intervenções da arte e do belo midiáticos presentes no fluxo dos compartilhamentos virais.

O lugardas elipses audiovisuais,das sobreposições de imagens e de sons, da cultura da mídia dominante, da fruição produtiva, onde a partilha pode tornar possível a ressemantização da experiência estética do cotidiano jornalístico, por intervenção da arte comum e dos afetos identitários compartilhados na rede social e, consequentemente, no espaço público.

Consciência das próprias experiências

Afetos tais, gerativos de uma comunidade imersiva na estética pop, que caminha em direção a uma espécie de fandom contra-hegemônico. Ainda que contextualizado, no impacto técnico, na reprodutibilidade, na colonização do entretenimento pelo capital e nos processos alienantes do regime de propriedade, um fandom revolucionário em potência pode vir a constituir novas poéticas fruidoras de sentidos éticos. Surge então um espaço que não pode ser concebido preconceituosamente somente como uma arena de reações moralizantes e verticalizações ortodoxas.

Pensar as narrativas irrompidas no fandom em potência, incomensuravelmente dialógicas, que apesar de suportadas na estrutura hegemônica, não deslegitimam o alento alternativo, criativo e fruído da estética do comum, é um desafio para pensar essa estética. Tal como objeto artístico, como medium de uma presentificação de experiências. Mesmo que ele esteja inserido em um contexto de vivências determinadas: “são aqueles que se engajam na experiência estética que se servem desse medium para tomar consciência de suas próprias experiências” (Guimarães, 2006, p.19).

Referências

ARISTÓTELIS. Poética. 1ª edição. São Paulo: Edipro, 2011.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6ª ed., São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 4ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 1992.

JAMESON, Fredric. “Reificação e utopia na cultura de massa”.In: As marcas do visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Edusc, 2002.

GUIMARÃES, César. “A experiência estética e a vida ordinária”. In: Comunicação e Experiência Estética.Organizadores: Guimarães, Leal e Mendonça. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

LOPES, Denílson. “Da estética da comunicação a uma poética do cotidiano”. In: Comunicação e Experiência Estética. Organizadores: Guimarães, Leal e Mendonça. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p.117-153.

MORAES, Dênis de. A batalha da mídia: governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2009.

SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. 7ª ed., Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

SANDVOSS, Cornel. Quando estrutura e agência se encontram: os fãs e o poder. Revista Ciberlegenda, UFF, 2013.

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Raphael Pinto é jornalista e mestrando em Mídia e Cotidiano