Sim, claro. A Constituição proíbe a censura à imprensa (e determina que o salário mínimo atenda às necessidades do trabalhador e de sua família durante o mês, garante o acesso à saúde pública e gratuita e até há pouco tempo estipulava juros reais máximos de 12% ao ano). A Constituição proíbe a censura, mas a censura está aí, superpresente, promovida até por quem deveria ser fiscal da lei.
Censura 1
A Promotoria da Justiça Eleitoral representou ao juiz da 1ª Zona Eleitoral contra a Folha de S.Paulo, por considerar que a entrevista com Marta Suplicy, candidata à prefeitura paulistana, foi propaganda eleitoral antecipada. Há vários motivos jornalísticos para entrevistar Marta, pessoa importante, que foi atração de TV, prefeita, ministra, e estava deixando o ministério para poder candidatar-se. Não há como confundir uma entrevista com propaganda: são coisas diferentes. E todos os jornais da cidade entrevistarão todos os candidatos. Isso é jornalismo.
Os promotores querem que a Folha seja multada (21.300 reais a 53.200 reais). Podem multar: é preço baixo para manter a isenção e a liberdade de imprensa.
Censura 2
O Fantástico, da Rede Globo, exibiu no domingo (8/6) 8 uma reportagem sobre corrupção em licitações da prefeitura em Santana do Acaraú, Ceará. Mas os moradores da cidade não puderam ver o programa: convenientemente, faltou luz bem na hora do Fantástico. O prefeito disse que não entende nada de fornecimento de energia e que as queixas deveriam ser encaminhadas à concessionária. De acordo com a Companhia Energética do Ceará, o corte de energia foi criminoso: alguém provocou um curto-circuito deliberado na rede.
Censura 3
Este é um caso exemplar: a repórter Márcia Regina Dias, do jornal Mogi News, de Mogi das Cruzes, SP, recebeu e-mail do promotor José Barbutto, do Grupo de Ação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco), com denúncias contra 13 policiais. Na mensagem, Barbutto dava instruções detalhadas à repórter sobre como escrever a reportagem ao gosto dele. Dizia como divulgar a informação para que não parecesse que os promotores estavam querendo aparecer.
Barbutto não pediu sigilo, e o processo não corria em segredo. Márcia foi, corretamente, ouvir os policiais acusados sobre a denúncia, para que se defendessem. Um deles juntou o e-mail a seu processo, acusando o promotor de tentar dirigir o trabalho da imprensa. Foi o suficiente para Barbutto se negar a dar novas informações para Márcia Regina Dias e considerá-la parcial em favor da defesa (aparentemente, só é permitido ser parcial em favor da acusação). O jornal amarelou: em poucos dias demitiu a repórter.
Márcia Regina Dias denunciou o promotor Barbutto à Corregedoria do Ministério Público, e está procurando emprego.
Polícia é polícia…
Todas as organizações oficiais têm corregedorias, conselhos, conselhos superiores, que deveriam supervisionar pelo menos a honestidade dos funcionários. Não é tão difícil: imagine um delegado de polícia que ganhe 8 mil reais mensais e seja dono de um Audi do ano, viva numa casa belíssima e não tenha casado com mulher rica nem recebido prêmios na loteria. É suspeito, não é? Vale investigar.
Mas, na verdade, se a imprensa não pressionar a coisa não anda. Os meios de comunicação têm de ser a consciência das organizações oficiais. Se não houver participação da imprensa, o corporativismo irá aos poucos tomando o lugar do cumprimento do dever; e o funcionário que tiver cometido algum delito será no máximo censurado verbalmente e condenado a passar dois dias sem sobremesa.
No Rio, o caso mais recente é a Operação Segurança Pública S/A. Apurou-se que o esquema de propinas do jogo do bicho e da máfia dos caça-níqueis à polícia alcança até a delegacia encarregada de investigar o jogo do bicho e a máfia dos caça-níqueis. Um escândalo – mas um escândalo à luz do dia, que a imprensa só não noticiou antes porque parece ter-se acostumado à rotina. Não é difícil verificar se alguém tem padrão de vida excessivamente alto para seus rendimentos. Nada de especial: é a velha e boa reportagem em ação.
E, se a imprensa se mexe, talvez seja possível retornar ao passado, época em que o criminoso Lúcio Flávio Villar Lírio, uma personalidade fascinante, cunhou sua célebre frase: ‘Polícia é polícia, bandido é bandido’.
…bandido é bandido
Há um outro caso, agora, pedindo investigação jornalística. Em toda a região do Vale do Paraíba, em São Paulo, as máquinas caça-níqueis proliferam abertamente. Um programa de rádio de grande audiência, o Showtime, da Rádio Piratininga de São José dos Campos, percorre a cidade todos os sábados, localizando caça-níqueis e informando aos ouvintes onde está funcionando a máfia. Pergunta a policiais onde há caça-níqueis, e os policiais gentilmente indicam o caminho. Mas nem com a indicação precisa da localização dos caça-níqueis, com endereço e tudo, aparece alguém para apreender as máquinas.
Um detalhe: a máquina caça-níquel é instrumento de jogo ilegal. Não é fabricada no Brasil, nem importada legalmente. Ou seja, qualquer caça-níquel é, por definição, contrabandeado. São duas infrações legais. Mas nem isso mobiliza nossas autoridades. Se a imprensa mais poderosa, a imprensa nacional, não entrar no assunto, em breve os bares não servirão mais café nem pão com manteiga: servirão apenas como abrigo das máquinas caça-níqueis.
Melhorar faz mal
A gente olha o jornal, parece que hoje em dia só existe a editoria de Polícia. Mas há temas interessantes fora da criminalidade política.
Por exemplo: uma questão de saúde que é absolutamente fantástica. Quem tem doença respiratória obstrutiva crônica – como, por exemplo, um enfisema pulmonar – pode receber de graça o remédio Tiotrópio, o primeiro a bloquear a evolução da doença, em vez de simplesmente aliviar os sintomas. É bom para os doentes, é bom para a saúde pública: o Tiotrópio reduz o número de internações.
Bom, imaginemos um doente que precise deste remédio no Grande ABC, em São Paulo, bem pertinho da capital do estado. Ele poderá recebê-lo após apresentar o resultado de uma espirometria – mas fazê-la exige alguns meses na fila. Comprovada a doença, outra fila, esta de algumas horas, no Hospital Estadual Mário Covas, para receber o remédio.
Tudo bem? Não: a espirometria tem de ser refeita todos os anos, para avaliar o resultado do tratamento. Imaginemos que o doente tenha melhorado. Isso significa que o tratamento é bom e será mantido? Não: significa que o fornecimento do remédio será interrompido, e o doente que piore de novo.
Como diz aquele antigo chavão, ‘se melhorar, piora’.
Preconceito é coisa feia
Estamos todos acompanhando a crise do governo gaúcho, com denúncias de corrupção que partem do próprio vice-governador e que já levaram à demissão de todo o Secretariado estadual. Pois um famoso jornal do Rio publicou a seguinte manchete:
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‘Corrupção abala governo do PT’ (ver ‘Ato falho ou boca torta?‘)O problema é que a governadora Yeda Crusius não é do PT: é do PSDB, seu único partido desde que decidiu entrar na política. Foi deputada federal pelo PSDB, e se elegeu governadora derrotando o PT.
O PT já enfrenta problemas suficientes nesta área. Não é preciso inventar-lhe nenhum problema novo.
Estranho, estranho
A notícia passou batida, sem ser muito notada (e, o que é pior, foi apresentada como algo que só tem lado bom): uma grande empresa de convênios médicos anunciou que tem 250 milhões de reais em caixa para comprar concorrentes e abrir hospitais. A mesma empresa superou poderosos competidores e ofereceu o maior preço para patrocinar a camisa de um dos principais times de futebol do mundo.
Essa história de convênio médico deve estar dando um bom dinheiro. E, no entanto, o que se vê nos meios de comunicação é sempre aquele chororô a respeito dos custos crescentes que não podem ser repassados aos clientes. Estaremos nós, jornalistas, sendo muito crédulos na cobertura desse tema?
Como é mesmo?
A notícia saiu na semana passada, num popular portal esportivo, e se referia à venda de jogadores brasileiros para o futebol europeu. Texto: ‘como a tal `janela´ para contratações se abrirá no mês de agosto, ou seja, um pouco mais de um mês e pouco (…)’. Pois é: de pouco em pouco, sete semanas se transformam em um pouco mais de um mês.
E eu com isso?
O tempo passa, o tempo voa, nem o Bamerindus continua numa boa, e é só escândalo, escândalo, escândalo. Ou melhor, quase só encontramos escândalo: há um cantinho no jornal, na revista, na tevê, na internet, no rádio, em que as notícias são bem mais amenas. É aí que descobrimos, por exemplo, como Gracyanne Barbosa e o cantor Belo, seu namorado, juraram amor eterno: ela tatuou na panturrilha a frase ‘Belo eu te amo’ (sem vírgula, mesmo – talvez seja menos caro). E ele, retribuindo, tatuou a frase ‘Gracyanne eu te amo’.
O amor é lindo! Tão lindo que, para garantir ao namorado que o ama, Gracyanne tatuou o nome ‘Belo’ no cóccix.
E, por falar nas lindezas do amor, a apresentadora Luiza Mell passou o Dia dos Namorados em companhia de um ‘goldem retriver’. Na verdade, era um ‘golden retriever’, aquele cachorro que seria parecidíssimo com um labrador se não fosse peludo. Mas a informação foi incompleta: diz onde e com quem Luiza Mell passou o dia. E a noite?
Encerrando a série ‘O Amor é Lindo’, uma notícia sem a qual não poderíamos dormir sossegados:
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‘Bruno Gagliasso beija Eliza Joenck na festa da estilista Lenny Niemeyer’O grande título
Nesta semana há um título excelente:
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‘Famosos se vestem para as festas juninas de junho’Mas há outro que não admite comparações:
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‘Ex de Ronaldo procura japonês para filme pornô, diz jornal’Quem diria, filme pornô para menores!
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados