Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pressionado pelo governo, ‘The Guardian’ destruiu arquivos digitais

Editores do jornal britânico The Guardian tentaram explicar, esta semana, um dos episódios mais estranhos da história do jornalismo na era digital. No dia 20/7, em um porão dos escritórios do jornal, em Londres, um editor e um especialista em computação usaram um triturador e outras ferramentas para destruir discos rígidos de computadores e cartões de memória que continham cópias de arquivos secretos vazados por Edward Snowden.

A ação foi observada por técnicos da CGHQ, agência de espionagem e segurança britânica, que tiraram fotos e fizeram anotações, mas nada levaram. O editor-chefe do Guardian, Alan Rusbridger, já havia informado ao governo britânico que existiam outras cópias dos arquivos fora do país e que o jornal não era o único receptor e detentor dos arquivos vazados pelo ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA. No entanto, o governo insistiu que o material deveria ser apreendido ou destruído.

A tentativa inicial do Reino Unido para impedir a divulgação do conteúdo dos arquivos aconteceu duas semanas depois da publicação da primeira matéria com base no vazamento de Snowden, sobre uma ordem secreta da corte americana obrigando a provedora de telefonia, TV e internet Verizon a entregar dados sobre os registros telefônicos de seus clientes. Depois deste texto, foi publicado outro sobre como a agência de espionagem britânica estava usando os dados coletados pelo programa de monitoramento online da NSA, chamado de Prism. Dias depois o jornal publicou outra reportagem revelando como a inteligência britânica espionou aliados do país em dois encontros em Londres.

Visitas em série

Após a publicação das reportagens, dois funcionários do governo britânico foram ao escritório do Guardian. Falaram com Rusbridger e com seu subeditor, Paul Johnson, e pediram os arquivos de Snowden que estavam com o jornal. Eles alegaram que o material era roubado. Não houve ameaça escrita. Os editores argumentaram que os documentos eram de interesse público.

Depois de três semanas – e com a publicação de matérias sobre vigilância de internet e telefonia –, os funcionários voltaram ao Guardian com uma aproximação mais dura: “Vocês já se divertiram. Agora queremos o material de volta”, teriam dito. Eles acrescentaram, ainda, que a paciência com o jornal estava se esgotando e que governos, especialmente o da Rússia e o da China, poderiam invadir a rede de TI do Guardian – os editores explicaram que os arquivos não estavam guardados no sistema do jornal. Mesmo assim, em um outro encontro, um especialista da agência de inteligência argumentou que o material ainda era vulnerável.

Entre os dias 16 e 19 de julho, o governo aumentou a pressão e, em uma série de telefonemas e encontros, ficou mais explícita a possibilidade de uma incursão policial ou ação legal. Advogados do jornal acharam que o governo poderia dar início a procedimentos criminais.

Com medo de ter que entregar o material ou ter sua publicação interrompida, o Guardian optou por destruir os arquivos. Rusbridger argumentou que a entrega do material representaria uma traição à fonte – no caso, Snowden –, já que os arquivos poderiam ser usados na sua condenação. “Não acredito que teríamos o consentimento de Snowden para entregar o material e não queria ajudar as autoridades britânicas a saber o que ele nos forneceu”, contou Rusbridger, acrescentando que a publicação de matérias pode continuar a ser feita a partir dos EUA ou do Brasil. Nos EUA, jornalistas estão protegidos pela Primeira Emenda da Constituição americana, que garante a liberdade de expressão.

Doze dias depois da destruição dos arquivos, o jornal publicou matéria sobre o financiamento americano de operações de escuta da CGHQ e um perfil de como é trabalhar no escritório da agência em Cheltenham. A versão americana do Guardian, sediada em Nova York, continuou a publicar evidências da cooperação da NSA com empresas de telecomunicações americanas para maximizar a coleta de dados na internet e aparelhos celulares em todo o mundo.

Pressão do governo

O governo britânico vem tentando aumentar a pressão sobre jornalistas. No último fim de semana, ficou detido por quase nove horas, no aeroporto de Heathrow, em Londres, o brasileiro David Miranda, parceiro do correspondente do Guardian Glenn Greenwald, para quem Snowden entregou os documentos vazados. A detenção de Miranda foi justificada por uma seção da legislação britânica aprovada em 2000, destinada ao combate ao terrorismo. O brasileiro havia ido para a Alemanha, em viagem paga pelo Guardian, e trazia arquivos digitais com mais documentos de Snowden.