O estudante de comunicação David Miranda, detido por nove horas no domingo em Londres com base em uma lei antiterrorismo, ainda sofre os reflexos da apreensão de equipamentos eletrônicos e cartões de memória. Em entrevista ao Estado ontem [quarta, 21/8], ele afirmou que sua conta no Skype – sistema que permite fazer ligações telefônicas pela internet – foi usada por outras pessoas desde que ele foi obrigado a dar suas senhas aos policiais britânicos.
Na entrevista, ele admite ter transportado dados sigilosos da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) em várias viagens, durante “dois ou três meses”, sem problemas.
O brasileiro de 28 anos, que vive no Rio com o jornalista Glenn Greenwald – colunista do jornal The Guardian que em junho publicou dados do ex-agente da CIA Edward Snowden sobre a rede global de espionagem americana mantida pela NSA – vai a Brasília na quarta-feira. Ele falará à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado sobre sua detenção no Aeroporto de Heathrow.
Na quarta-feira (21/8), ele elogiou o posicionamento que o Itamaraty tem adotado até agora com relação à detenção feita pela Scotland Yard. Mas acha que mais poderia ser feito para evitar que outros cidadãos brasileiros passem por situações semelhantes. Miranda acredita que se não fosse latino-americano provavelmente não teria sofrido o abuso. “Foi uma atitude imperialista. Agiram como se eu estivesse num nível abaixo do deles”.
Depois do que aconteceu, você e Glenn estão se sentindo seguros?
David Miranda – Muito seguros. Glenn e eu vivemos no Rio num condomínio fechado, com muitas câmeras e dez cachorros. Os telefones estão todos grampeados, estamos nos sentindo perseguidos pelos governos britânico e americano, mas não temos medo. Estamos protegidos no Brasil.
O governo brasileiro podia fazer mais?
D.M. – Estão agindo de forma correta, mas podem fazer mais, sim. Podem dar mais uma pressionada, fazer barulho, para que não aconteça isso nunca mais com nenhum brasileiro. Foi uma mensagem direta de que qualquer brasileiro pode sofrer isso. Somos uma grande economia, fortes na política internacional, não podemos deixar isso acontecer.
Dada a relevância e o caráter sigiloso do material que transportava, você não imaginava que poderia estar sendo monitorado, não pensou em voar por uma rota alternativa de Berlim para o Rio?
D.M. – Já sabemos que foi tudo premeditado, que a Casa Branca foi avisada na sexta-feira de que isso aconteceria. Tentei mudar meu voo, mas a companhia aérea não conseguiu. Foi estranho. Mas não achava que fariam algo desse nível, não imaginei. Depois de dois ou três meses com várias pessoas viajando, indo e vindo dos Estados Unidos com dados da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA), nada tinha ocorrido.
O que vocês esperam da Justiça britânica?
D.M. – Que esse material não seja divulgado. A gente sabe que já está nas mãos dos Estados Unidos, que já foi copiado, mas tem que ser devolvido. A Inglaterra tem que admitir que agiu errado, que a lei foi utilizada de forma errada. Eles não me fizeram nenhuma pergunta sobre terrorismo.
O que mais te incomoda no episódio?
D.M. – Fui ameaçado de prisão o dia inteiro, forçado a dar minhas senhas, copiaram todos os meus arquivos. O pior é isso, a falta de privacidade. Ontem (segunda-feira) até entraram com meu perfil no Skype. Estou com muita raiva, muito frustrado. O que me deu foi mais vontade de ajudar meu parceiro no trabalho dele.
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Roberta Pennafort, do Estado de S.Paulo