Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Emburrecendo com glamour

Os jornais impressos sempre gostaram de brindar seus leitores com suplementos e revistas. Sobretudo nos finais de semana.

Imaginando um noticiário pesado nos demais dias, as editorias mandam logo ver uma enxurrada de bolos de chocolate, viagens paradisíacas, conselhos para tratar filhotes de estimação – humanos ou não – manuais de bricolagem, enfim, tudo o que possa relaxar os sábados e domingos de seus angustiados leitores.

O Estado de S.Paulo vai de Aliás, Autos, Casa, Feminino, Paladar, TV & Lazer, Viagem etc. Nada que faça alguém sofrer muito com a leitura. O Jornal do Brasil mantém a Revista Domingo e Programa. O Globo, uma potência, não deve ficar atrás e, deixando o eixo Rio-São Paulo, a mesma síndrome midiática se repete nos jornais Zero Hora, Estado de Minas, Correio Braziliense, Jornal do Comércio, e assim por diante.

Desconheço se, ao reverso, o nosso Montblaat, cada vez mais com cara de revista como quer o editor, prepara o lançamento de um jornal pesado para os outros dias da semana.

Neste ponto, vocês poderiam perguntar por que eu, que assino uma coluna chamada ‘Paulista & Periferia’, provavelmente uma redundância na acepção de muitos cariocas, não citei o jornal de maior circulação do Brasil, a Folha de S.Paulo.

Bem, esse é um caso especial.

Momentos singelos

Na publicação dos jovens Frias, inovações vêm sempre acompanhadas de um imperativo lançado aos leitores: ‘Não tentem ser mais inteligentes do que nós!’. Um direito adquirido desde que publisher e jornalistas lá fundaram a EFSD – Escola de Formação de Sábios e Deuses.

A mais nova criatura da Folha nasceu de pais antagônicos, porém apaixonados: mamãe Caras e papai piauí. Foi batizada de Serafina, uma ótima sacada, pensei, pois remete, ao mesmo tempo, a um apelo popular e a um destino de luxo. Errei. Não deveria ter tentado bancar o inteligente. Na capa, o título vem escrito como ‘serafina’, e não como fazem os cartorários imbecis deste país. Foi-se, então, o apelo popular.

A Folha já publicava uma revista dominical. Só que parecidinha com todas as demais, o que deve ter começado a soar como afronta para os habitantes daquele bunker da criatividade.

Serafina, e vamos tratá-la assim mesmo, sem apelos ou destinos, tem freqüência mensal, e é produzida em papel de alta qualidade, com anúncios publicitários de produtos acessíveis apenas à elite econômica, e seu conteúdo renega o esculacho nouveau riche da mãe e o papo-cabeça do pai. Temos ali uma mixórdia do tipo ‘engabela-a-todos’.

Não espere encontrar as fotos de personalidades descendo as escadarias de mármore de suas mansões, nem frases como ‘depois de oito casamentos, Adriane encontra seu verdadeiro amor’, ou ‘nunca me senti tão feliz como agora com Bruno’, ou ainda ‘sou uma pessoa comum, levo todos os dias meu filho à escola’. Momentos tão singelos, quando na revista Caras. E nem a descarada levada de texto, como fosse uma The New Yorker tupiniquim, da revista piauí.

‘Maduro e moderno’

Na edição de junho da Serafa (vamos logo ajudando a moça a se decidir) seus colaboradores – todos de fino trato – opinam sobre quando é fundamental ser fina. De Danuza Leão, por exemplo, ficamos sabendo que ‘levantar o dedinho tomando café não tem a menor importância’. Da fotógrafa Marisa Alvarez Lima que ‘ser fino é fundamental até na hora da briga’. Frase que, certamente, abalou sobremaneira os mais recentes maridos da atriz Susana Vieira.

Como tem que acontecer com um rebento da criativa Folha de S.Paulo, quem você imagina encontrar refestelados em um sofá inundado de almofadas, sem sapatos, descansando em seu chalé de Brasília? Bruno e Marrone? Glória Maria e Denzel Washington? Não, meus caros, Serafa é séria e não se presta a fofocas.

Ilustrando a matéria ‘O amor e o poder’, temos o casal Guiomar e Gilmar Mendes. A revista explica ‘Como o presidente do STF e a secretária-geral do TSE transformaram um `namoro espiritual´ em casamento maduro e moderno’. Não é mesmo lindo?

Claro que tem muito mais: resort em Miami onde o casal Rosset passou a lua-de-mel, Danuza falando de Yves Saint-Laurent, guru americano que apresentou a ioga a Madonna e Sting, e por aí vai.

Tudo muito fino, muito relaxante. Tem glamour.

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Jornalista