Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As lágrimas das carpideiras oficiais

Enterrado Jean Charles de Menezes com todas as honras e homenagens dos conterrâneos e políticos, conviria rever o comportamento no episódio de grande parte da mídia brasileira. A vítima era inocente, talvez não estivesse com os papéis em ordem, mas não havia razão para ser assassinado pela polícia inglesa na caçada aos terroristas islâmicos.


Mas o funeral em Gonzaga, Minas Gerais, foi de herói, com direito a bandeiras nacionais, hino, discursos inflamados, presença de autoridades locais e ministros de Estado. O Jornal Nacional foi pródigo no tempo que concedeu às últimas homenagens prestadas a Jean Charles. Com exceção do Estado de S.Paulo, os jornais esparramaram suas emoções durante alguns dias.


Antes da missa de 7º dia convém refletir sobre a diferença de tratamento do funeral de Jean Charles, morto pela polícia em Londres, e os funerais das 30 vítimas da chacina de Queimados e Nova Iguaçu, ocorrida no dia 31 de março último. Também eles foram assassinados por policiais – mas, no caso, deliberadamente assassinados. Não foi acidente, foi tudo planejado, embora os PMs tenham atirado a esmo.


Não apareceu ninguém para oferecer às vítimas da polícia fluminense uma bandeira nacional na hora do enterro. Serão por acaso menos brasileiros os que morrem aqui assassinados? Por que razão reservam-se os brios patrióticos apenas para os compatriotas inocentes que morrem no exterior?


Estimulo às lágrimas


Quando algumas centenas de emigrantes mineiros foram repatriados dos EUA também foram recebidos como bravos e, no entanto, haviam escolhido abandonar o país natal. Foram embora voluntariamente e regressaram contra as suas vontades.


A mídia brasileira está se deixando levar pelo perigoso terreno do chauvinismo. A morte de Jean Charles no exterior não pode pesar mais do que as centenas de chacinados pela polícia e pela bandidagem em São Paulo, Rio, Vitória ou Recife.


Entende-se que um governo entalado numa tremenda crise política faça tudo para desviar a atenção dos segmentos populares, estimulando lágrimas e solidariedades. Mas a mídia, aparentemente tão atenta às sutilezas, não pode ser parceira desta orquestração tão insensível e desumana.