A América Latina vive um momento de transformação. A democratização alcançada nos terrenos político, econômico e social começa a chegar também à comunicação. Isso pode resultar em mais um grande impacto positivo para o desenvolvimento da região.
O pluralismo, a diversidade de vozes e de propriedade dos meios de comunicação, de acordo com as circunstâncias de cada país, são fundamentais para a participação ativa dos cidadãos na tomada de decisões sobre seu futuro, fortalecendo a inclusão social e aumentando qualidade de vida. Por exemplo: de mãos dadas com a revolução tecnológica, representada pela digitalização da televisão terrestre, abrem-se novos espaços potenciais para que atores da sociedade, antes sem acesso, possam gerir frequências televisivas.
Mas um desenvolvimento inclusivo, com uma cidadania informada, ativa, no mais pleno exercício da liberdade de imprensa, não é compatível nem com os sistemas tradicionais de oligopólio, nem com aqueles no qual o Estado pretende se estabelecer como resposta dominante a essa imperfeição do mercado.
É nesse contexto que se torna essencial discutir as direções para as mídias públicas na região. A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e o Banco Mundial reuniram mais de 30 especialistas internacionais em comunicação durante o IV Fórum Internacional de Mídias Públicas na América Latina, realizado nos dias 29 e 30 de agosto, em Brasília, para discutir a sustentabilidade das mídias públicas e seu potencial para inclusão social na nova realidade latino americana.
Programa integral
Os diferentes países da região vêm adotando reformas de acordo com suas circunstâncias específicas, com mecanismos de regulamentação e autorregulamentação que não podem ser automaticamente transpostos para outros contextos, até porque refletem tensões e conflitos particulares de cada sociedade. Portanto, uma discussão construtiva sobre os desafios das mídias públicas na América Latina não pode partir da caricaturização das reformas postas em prática nos países da região.
Este precisa ser um debate aberto, sem censura, que contribua para a coabitação racional entre os diferentes espaços de comunicação: comercial, público, comunitário ou do terceiro setor. A sustentabilidade, utilidade e função social das mídias públicas dependem do ativo envolvimento de todos esses atores. Muitos dizem que isso não é possível porque se trata de conflito de interesses, levando a um diálogo efêmero, enquanto o conflito é permanente. Trata-se então de reconhecer e arbitrar esse conflito, e o Estado não pode ser ao mesmo tempo juiz e parte, tem que estar acima das partes.
Como nos debates realizados desde 2011 em Montevidéu, Assunção e San Salvador, o IV Fórum enfocou os meios públicos de comunicação e sua sustentabilidade, não somente financeira, mas também como essas mídias podem evoluir para se adaptar aos tempos atuais, respondendo à sociedade toda, ao interesse público, mais além do poder político de turno.
E mesmo nisso não há um modelo único, mas abordagens das quais muito pode ser apreendido em todos os sentidos. Em Brasília, foram apresentadas experiências da televisão pública nos Estados Unidos e na Espanha, dois processos diferentes, mas com importantes lições para a América Latina.
O Banco Mundial vem participando do debate das estruturas da mídia na América Latina há alguns anos, e observamos o renascimento das mídias públicas nesta última década, principalmente por meio de sistemas e iniciativas inovadoras. De nosso lado, também temos dado apoio financeiro e técnico para importantes experiências de modernização do espaço público midiático, tal com em El Salvador e no surgimento do primeiro canal de TV pública no Paraguai. No Peru, estamos contribuindo para um ambicioso programa integral de comunicação para a inclusão social por meio da Diretoria de Comunicação da Presidência. No Brasil, somos parceiros da EBC na iniciativa de TV Digital Interativa, já discutida neste Observatório (ver “TV interativa com um olhar inclusivo“).
Bem público
Apesar da diversidade de experiências e procedimentos, o IV Fórum Internacional de Mídias Públicas na América Latina chegou a um consenso: as TVs públicas, em particular, precisam conquistar audiências fiéis e ativas, sem que se tornem reféns de governos, financiadores ou imperativos do mercado.
Para driblar a dependência fiscal, um problema que não se apresenta apenas no Brasil, o México aprovou, recentemente, uma reforma constitucional que possibilita a captação de publicidade. O Chile, por exemplo, já opera com um modelo que aceita publicidade.
No centro da questão, como bem indicaram os participantes do Fórum, está o desafio de produzir material de qualidade e ao mesmo tempo de interesse do público. Há um crescente esforço para tornar a televisão pública divertida, com mais independência, deixando claro sua natureza distinta dos modelos privado e estatal.
O Fórum também defendeu a importância das mídias públicas para expandir a liberdade de imprensa nas América Latina, principalmente como instrumento de participação e inclusão das vozes que hoje estão fora do debate. A expansão da TV digital terrestre, que abre novas opções de frequência para mais atores da sociedade, é uma oportunidade ímpar para esse acesso, complementando a democratização política, econômica e social de toda a América Latina.
Vivemos um momento fundamental do ponto de vista tecnológico, social e de vontade política para criar e fortalecer um modelo genuinamente latino-americano de mídias públicas, que responda às necessidades e desafios da região, e contribua ao seu desenvolvimento. É por meio de debates como os promovidos neste fórum que poderemos fazer das mídias públicas um verdadeiro bem público, capaz de não apenas refletir as necessidades da sociedade civil, mas principalmente ajudar a transformá-la positivamente.
O Banco Mundial tem orgulho de poder contribuir para esse processo.
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Sergio Jellinek é gerente de Relações Externas do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe