Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Falta Legislativo na cobertura econômica

É muito fácil, para o bem ou para o mal, criar estatais, subsidiárias e ministérios. Um novo quadradinho no organograma federal pode contribuir para o crescimento e a modernização do país, ou, como ocorre com mais frequência, para criação de empregos, acomodação de aliados e multiplicação de negociatas. Para multiplicar os quadradinhos o governo pode recorrer a leis ordinárias e até a medidas provisórias (MPs), mesmo sem atender, neste caso, aos critérios constitucionais de relevância e urgência. O risco de rejeição no Congresso é mínimo.

Mas o processo poderá ficar um pouco mais difícil, e também um pouco mais disciplinado, se aprovada uma proposta de emenda à Constituição apresentada pelo senador José Agripino (DEM-RN). A criação desses organismos passará a depender de leis complementares, de aprovação mais difícil: a votação é nominal e é necessária pelo menos maioria absoluta dos votos – isto é, metade mais um.

Projetos como esse podem ter enormes consequências políticas e administrativas, mas o assunto raramente chega ao público. A maior parte dos jornais acompanha muito de longe, e com pouca atenção, a atividade legislativa. O Valor tem sido uma exceção. Apresenta boas histórias, como a dessa PEC das estatais. A matéria foi publicada na última semana de agosto. Na mesma edição e na mesma página saiu uma reportagem de acompanhamento de outro projeto mais conhecido, o da regulamentação de contratos de mão de obra terceirizada. O Executivo, segundo a notícia, editaria decreto para tratar separadamente de trabalhadores contratados para prestar serviço à administração direta, nos três Poderes.

Relação de forças

Duas semanas antes (em 14/8), o Valor havia editado, também sozinho, um excelente material sobre emendas do senador Pedro Taques (PDT-MT) ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). As propostas, convertidas em emendas da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, foram desenhadas para dificultar o uso da chamada contabilidade criativa no balanço fiscal de cada ano. A criatividade tem sido usada, nesse caso, para permitir ao Ministério da Fazenda o anúncio, no fim de cada exercício, do cumprimento da meta fiscal.

Os procedimentos adotados pelo governo para ajeitar o balanço das contas públicas têm sido analisados e comentados por especialistas tanto brasileiros quanto do exterior – e são tratados, nos comentários, como fatos bem conhecidos e fora de qualquer dúvida.

Alguns projetos são divulgados mais amplamente e apresentados até com algum destaque na maior parte dos grandes jornais. É o caso, por exemplo, da PEC do orçamento impositivo, apoiada por grupos da oposição e por uma grande parcela da base governista. A ideia, nesse caso, é forçar o governo a liberar dinheiro para as despesas contempladas nas emendas à proposta orçamentária. Em caso de contingenciamento de gastos, o bloqueio desse grupo de despesas seria proporcional ao congelamento geral. O pagamento da parcela restante ficaria garantida.

No regime atual, o Executivo pode legalmente resolver se e quando a verba será liberada, sem obrigação de soltar o dinheiro. Isso facilita o controle dos gastos e pode contribuir para a disciplina financeira do setor público. Mas essa faculdade é também um instrumento de barganha política, usado frequentemente quando o governo precisa garantir apoio no Congresso. Um dos objetivos atribuídos à proposta, apoiada explicitamente pelo presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), é diminuir o poder de negociação do governo e mudar, embora de forma limitada, a relação de forças entre Legislativo e Executivo.

Mais além do trâmite

Aprovada na Câmara, a PEC do orçamento impositivo tramitará agora no Senado. Pelo noticiário recente, o Executivo já se mostra mais ou menos conformado com a derrota e agora se dispõe a torná-la menos dolorosa. Para isso, negociou com deputados a vinculação de parte das emendas ao setor da saúde. Foi aceita uma proporção de 40%. Mas senadores poderão reabrir a discussão, atendendo ao governo, numa tentativa de ampliar a parcela para 50% do valor das emendas obrigatórias.

Velha panaceia brasileira, a vinculação de verbas a certos objetivos, como educação e saúde, tem-se mostrado pouco eficiente para a melhora dos setores formalmente favorecidos. Não basta garantir a aplicação desta ou daquela porcentagem do orçamento, das emendas ou mesmo do produto interno bruto (PIB) em um setor para obter bons resultados. Ao contrário, a vinculação, como tem mostrado a experiência, pode tornar dispensável um bom planejamento e até facilitar o mau uso de dinheiro.

Na falta de uma fiscalização efetiva e de uma avaliação crítica da aplicação, a verba pode ser simplesmente usada para a compra de ambulâncias superfaturadas ou para prioridades de baixo valor estratégico. Uma boa cobertura deveria envolver a discussão desse aspecto: vale a pena a vinculação? Qual o sentido prático da longa discussão sobre o uso dos royalties do petróleo? Mas a maior parte da imprensa passa longe desse tipo de pauta. É uma pena. O leitor ganharia muito, se a cobertura fosse além da tramitação de projetos como o do orçamento impositivo e das negociações sobre o destino contábil das verbas.

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Rolf Kuntz é jornalista