A mídia alternativa da década de 1970 representou, sim, uma frente de combate à ditadura. Espaços heroicos que, em uma sociedade amordaçada, afirmaram o compromisso com a livre expressão de ideias e a liberdade editorial. Somente isso já bastaria para que se tornassem marcos da história brasileira. Entretanto, a mídia alternativa da década de 70 transcendeu o combate à ditadura. Transcendeu as questões do seu tempo e lançou bases para uma revolução jornalística. Daquela época e daquelas experiências nascem temáticas extremamente atuais, ainda mais após as manifestações que, desde junho, varrem o país.
Do humor às reportagens investigativas, do debate entre engajamento político e neutralidade, da nova dimensão da imagem e do projeto gráfico como parte do conteúdo, da cultura e dos costumes como alvo de interesse, tais publicações anteciparam o futuro. Anteciparam os dias de hoje. Constituem, simultaneamente, núcleos decisivos de memória e referências para pensarmos o oficio do jornalista, os caminhos a serem trilhados pela imprensa nacional.
Com isso em mente, iniciamos um trabalho para reavivar a história e as reflexões contidas em uma das mais significativas e, não obstante, menos lembradas publicações alterativas da década de 1970: o jornal Repórter.
Fórum permanente
Repórter que, entre 1977 e 1982, obteve vendagem média de 40 mil exemplares, um fenômeno para as características que tinha e para as limitações que enfrentava, com apreensões quase permanentes e perseguição sistemática dos órgãos de segurança. Repórter que, em uma edição, atrairia a ira do regime por denunciar o envolvimento de militares na explosão do Estado de S. Paulo e, na semana seguinte, receberia críticas da esquerda por trazer manchete ressaltando que “as lésbicas metem o pau na repressão”. Repórter que, ancorado em matérias corajosas e brilhantes do jovem Tim Lopes, trazia à tona o cotidiano pulsante e novo das ruas brasileiras, abordando política e sexualidade com a mesma desenvoltura. Repórter de entrevistas marcantes e inéditas, com Thomas Hannenberg, presidente da Anisitia Internacional que pela primeira vez falava com um jornal brasileiro, com Brizola voltando do exílio, com Regina Duarte defendendo a abertura, com Zico respondendo sobre orgasmo e homossexualismo no futebol.
Um jornal que marcou época e se insere no amplo panorama de uma década que mudou o Brasil e o jornalismo brasileiro.
Através do projeto de resgate de memória do Repórter, buscamos criar um fórum permanente e a todos acessível para o debate sobre o jornalismo amordaçado daquele período, mas, também, sobre os desafios do jornalismo em nosso tempo.
Contamos com vocês.
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João Estrella e Joyce Martins são, respectivamente, historiador e comunicóloga