Em muitos países africanos, são comuns o fechamento de jornais e a prisão de editores. Não é o que se pensaria, no entanto, da Libéria, onde não há ditadura. A imagem do país serve inclusive de propaganda para a construção da democracia no pós-guerra. A presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, é vencedora de um prêmio Nobel e defensora de uma imprensa livre.
Mas foi na Libéria que o jornal FrontPage Africa teve suas operações interrompidas e Rodney Sieh, publisher e editor-chefe, foi preso por uma semana até ser transferido para um hospital por ter contraído malária. O FrontPage Africa estava criando um novo padrão para o jornalismo na África Ocidental. O sucesso deve-se em parte ao modelo de negócios do jornal, que garante que haja reportagem independente. O site serve à relativamente rica diáspora da Libéria e os anúncios com alvo nesses leitores financiam suas operações. A equipe de jornalistas – liderada por mulheres, com apoio do New Narratives, grupo sem fins lucrativos que treina jornalistas africanos – é bem paga e escreve sobre questões que afetam a maioria dos liberianos, cujas vozes são raramente ouvidas.
O FrontPage Africa escreveu sobre a prostituição de adolescentes, a pedido das Nações Unidas, e sobre o crescente comércio de cocaína de cartéis da América do Sul para a Europa por meio da África. Uma reportagem sobre mutilação genital feminina ganhou atenção internacional a repórter Mae Azango e sua filha de nove anos foram ameaçadas de morte. O caso levou governo e organizações de desenvolvimento a agirem. O jornal também expôs casos de corrupção – o país está no topo do ranking de corrupção anual da organização Transparência Internacional.
Preço alto
Foi ao denunciar corrupção que o jornal teve seu escritório atacado por bombas em outubro de 2009. Em 2011, Sieh ficou preso por 36 horas, além de ser processado por calúnia. Desde que a presidente assumiu o cargo, em 2006, nenhuma organização de mídia do país venceu um caso de calúnia. Recentemente, o FrontPage Africaperdeu um caso – muito provavelmente por ter exposto um acordo secreto entre membros do governo e o regime corrupto da Guiné Equatorial pelo investimento de cerca de R$ 310 milhões em um aeroporto.
O caso de calúnia que levou o editor à prisão teve início em 2010, quando foram publicados os resultados de duas investigações pela Comissão de Auditoria Geral, órgão independente que monitora a corrupção no país, nas contas do Ministério da Agricultura. As investigações, ordenadas a pedido da presidente, encontraram quase R$ 14 milhões de recursos cujos usos não foram justificados e colocaram em maus lençóis o minstro de Agricultura na época, Christopher Toe, ex-presidente da universidade online americana Strayer.
Quando Toe foi tirado do cargo, sem grande estardalhaço, ele processou por calúnia o jornal, Sieh e a repórter Samwah Fallah. Sua defesa argumentou que ele nunca foi processado e, portanto, não teria cometido nenhuma falha. A presidente tirou dos cargos, porém não processou, muitos dos membros do governo identificados pela Comissão, por não acreditar que o sistema de justiça do país esteja pronto para dar um veredicto justo. Uma corte civil determinou a favor de Toe – dois juízes chegaram a admitir que haviam sido pagos para tal.
O jornal, o editor e a repórter foram condenados a pagar o qeuivalente a R$ 4 milhões em danos – uma quantia 30 vezes maior do que o orçamento anual do diário em uma ação claramente destinada a fazer com que ele fechasse. Para apelar da decisão, eles teriam que gastar cerca de R$ 5,2 milhões em obrigações legais – mesmo se tivessem esse dinheiro, não havia garantia de que ganhariam a ação.
Em artigo publicado no New York Times, escrito da cama do hospital, Rodney Sieh diz que, enquanto os conselheiros da presidente puderem indicar ao judiciário como agir, o governo continuará a intimidar a imprensa internamente ao mesmo tempo em que mantém no exterior uma imagem positiva. A presidente, afirma o jornalista, deveria cumprir sua promessa de ordenaruma legislação pedindo a revogação de leis de difamação e “insulto” na Libéria, aplicar as leis de liberdade de informação já existentes no país e processar Toe e outros políticos corruptos. E o mais importante: ela deveria aprovar reformas judiciais imediatamente para que os tribunais comecem a servir aos interesses dos cidadãos liberianos comuns ao invés de apenas proteger a elite.