Hegel, Marx, filosofia histórica e crítica nos fazem refletir sobre a força da História na vida – o ser humano é um ser histórico. Por isso é de suma importância que uma atividade como o jornalismo busque fundamentos históricos para justificar suas ações e principalmente os aspectos da sociedade humana. Ao ler o artigo de Ulisses Capozzoli [‘A humanidade das células-tronco‘] neste Observatório, pensei e dessa reflexão nasceram interrogações (problemática) que compartilho com os leitores: por que dos limites do debate ético sobre vida, ciência e biossegurança? Quais os interesses ideológicos que guiam as ciências, sua práxis? Há uma autocrítica dessa divulgação?
Ética é um tema amplo e muito complicado. Historicamente pensado por filósofos, quase não se debate fora da academia. A ética é esquecida, ignorada e mais ainda omitida do discurso da mídia. No entanto, quando se fala em ética, logo se volta para uma moral pessoal, condicionada por um pensamento liberal formulado por teorias individualistas do ser humano, construído historicamente e transformado em dogma. Não se fala em ética como ‘morada do ser’, virtude prática e, além disso, aqui assumindo uma posição kantiana, imperativo categórico para a práxis humana.
Visão míope
O utilitarismo, em geral, como base na atmosfera teórica de nosso tempo invade os discursos e assume caráter de verdade absoluta nas ciências, nas organizações político-jurídicas e é ampliado pelos meios de comunicação social (divulgação científica, jornalismo, shows midiáticos). Não ocorrem debates, ou mesmo uma tentativa inicial para tal efeito. A verdade vem fechadinha e lacrada para ser aberta e consumida pela população. O espectador compra por um produto que irá resolver os mais intensos problemas sociais, humanos e ambientais. Não vemos o jornalismo científico fazendo essa discussão. São raras as notícias ou matérias que tocam nos temas nesse nível. Os eventos, as descobertas, suas aplicabilidades vêm prontinhas, acabadas, finalizadas para os consumidores dos produtos das ciências. E quem não conhece a práxis da ciência, pensa que ela pode tudo, de qualquer forma e por qualquer motivo.
Ampliam-se as possibilidades de questionar os atuais valores da vida, da ciência e da biossegurança. Tudo é minimizado ao máximo por causa do mercado, que determina a utilização de tudo. Os valores que aparecem para a população em geral são os valores do mercado. O interesse por trás da hiper-modernidade vem do mercado que condiciona a atual conjuntura social. Visão míope, interessada no lucro das descobertas científicas e sua aplicabilidade direta para um nicho crescente que pode pagar pelo uso das sofisticadas tecnologias da medicina, por exemplo.
Discurso submisso
Tal como outras invenções ocidentais, a ciência moderna engaja-se historicamente no contexto sistemático atual. Temos atualmente os processos humanos formatados dentro do capitalismo e na sua versão mais cruel, o neoliberalismo. Logo, a maior parte dos avanços científicos e tecnológicos tem um guia ideológico. Ou seja, engaja-se no neoliberalismo como produção industrial. Não há como separá-los, dada a complexidade de seu envolvimento.
Hoje, fazer ciência está dentro de um contexto específico, camuflado em progresso, vanguarda e bem-estar humano, mas que esconde a podridão do mercado que quer lucro, não se importando com a vida, o conceito de vida, a ética e a estética. Como lembra Antônio Inácio Adrioli [revista Espaço Acadêmico, nº 29 – 10/2003], ciência e prática científica não são independentes de seu contexto político. Os valores humanos celebrados por grande parte da ciência atual têm compromisso objetivando a ideologia especifica que guia o cientista: ‘A ideologia, entendida como visão de mundo, sempre estará presente no processo científico e seria muito ingênuo aceitar a hipótese de neutralidade dos intelectuais’, afirma Adrioli.
Interessa aqui estender esse pensamento à divulgação científica. Qual seu papel na atual conjuntura social? Como discurso que depende das práticas científicas, ele se submete aos ditames das ciências. Bem como se submete ao processo de produção dos meios de comunicação que usam o método industrial para produção de notícias, artigos e textos.
Rédea da história
A questão volta-se para nós como algo intrigante, pois sabemos que ciência e comunicação são quase irmãs gêmeas inseparáveis. E as duas se tornam forças poderosas para domínio ideológico do neoliberalismo. Daí, então, a necessidade da crítica por parte dos cientistas, dos jornalistas e, principalmente, da população que deve manifestar-se exigindo maior discussão do papel da ciência em nosso dia-a-dia, da relevância da ética na vida social e dos valores transmitidos pelos meios de comunicação.
A ciência, suas descobertas e comunicação não irão resolver os problemas humanos, mas possivelmente ajudarão a diminuí-los. Até lá, relembramos que a rédea da história é político-ideológica. No entanto, a escolha política é nossa, quando decidirmos para onde caminha a humanidade.
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Jornalista, professor, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Socioambiental (Cepesa), na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), em Itapetinga-BA