De uns tempos para cá, muito se tem discutido no cenário internacional a respeito do chamado direito de esquecimento na internet. A possibilidade de o indivíduo ver apagadas as informações incômodas que circulam na web sobre ele, ainda que verdadeiras, tem sido objeto de discussões cada vez mais constantes em diversos fóruns.
Questões técnicas à parte, enquanto o Brasil ainda patina na aprovação de legislação básica sobre proteção de dados pessoais, a temática do direito ao esquecimento começa a ganhar espaço importante em nosso país. O assunto, ademais, foi objeto de abordagem na recente 6ª Jornada de Direito Civil da Justiça Federal/2013, na qual se concluiu que tal direito integraria a tutela da dignidade da pessoa humana. A problemática, outrossim, foi analisada de maneira profunda e emblemática pelo Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.334.097-RJ), indicando posicionamento que corroboramos e parece ser tendência no país.
Pois bem. A análise do tema não é tarefa simples, já que, de início temos que enfrentar o suposto antagonismo entre as nuances do direito ao esquecimento (derivado da intimidade, vida privada, reabilitação social) e o imprescindível direito à informação. Nesse embate, nota-se que, se por um lado devem ser preservados os aspectos da vida privada da pessoa – que interessam só a ela –, de outro, temos a evidente necessidade de garantia de que informações de inquestionável interesse público estejam disponíveis a qualquer cidadão.
Consequências nefastas
Destarte, fatos relevantes e públicos, com efeitos sentidos diretamente pela sociedade, naturalmente precisam ser mantidos, eis que fazem parte da história da nação. De outra sorte, qualquer pessoa deve ter garantida a intimidade dos fatos de sua vida privada. Fotos corriqueiras dos tempos da universidade, opiniões polêmicas da época da adolescência e outras manifestações da vida cotidiana de interesse exclusivamente particular, por exemplo (que pelas vias comuns seriam desbotadas pelo tempo), merecem ser apagadas se desejarem seus titulares.
A situação se complica, por evidente, quando as informações que circulam na rede estão inseridas em notícias da mídia, publicações em diários oficiais, comentários ou opiniões de terceiros. Isso porque, como se sabe, na democracia, a liberdade de imprensa e a manifestação do pensamento são direitos que, exercidos com responsabilidade, devem ser preservados. Se as informações forem falsas (caluniosas ou difamatórias), sem dúvidas impõe-se a retirada imediata ou, no mínimo, a correção nos casos de excessos.
No entanto, se os fatos incômodos e verdadeiros, hipoteticamente de interesse público, publicados sobre o passado das pessoas (como condenações criminais) forem absolutamente verdadeiros, necessária é a reflexão sobre a pertinência de manterem-se eternos seus efeitos sobre a vida dos indivíduos. Com efeito, de um lado temos: veracidade dos fatos, direito à informação, liberdade de imprensa e pensamento. De outro: consequências nefastas indefinidamente presentes na vida do indivíduo (e seus familiares), ainda que este já tenha sofrido a aplicação das penas previstas em lei (prisão, restrição de direitos, pagamento de indenizações etc.).
Resgate da dignidade
Parece que a legislação brasileira já indica os caminhos a serem seguidos para resolver a questão. No campo penal, tanto o Código Penal, quanto o de Processo Penal deixam claro que o condenado tem direito pleno à reabilitação e à ressocialização (artigos 93-CP e 748-CPP). Na reabilitação, assegura-se ao indivíduo o sigilo dos registros sobre o s eu processo e condenação e, para a própria execução penal, há a previsão de que esta deve proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado (artigo 1º-LEP), objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade (artigo 10- LEP).
Dessa forma, se o retorno à convivência saudável em sociedade é um dos pilares da aplicação das penas, o direito ao esquecimento pelos fatos pretéritos praticados por uma pessoa pode ser entendido como medida para que essa finalidade seja, ao menos, tentada. Ademais, a legislação civil brasileira também prevê que o exercício dos direitos da personalidade não podem sofrer limitações (artigos 11 e 12-CC), o que nos leva a entender que, sob nenhum pretexto, os fatos do passado, ainda que verdadeiros, podem fazer desvanecer, por completo, o futuro de um homem ou mulher.
Finalmente, é preciso lembrar que, se é de interesse público o acesso a determinadas informações sobre as pessoas, é ainda muito mais importante, em termos sociais, que certos fatos sejam esquecidos em prol do resgate da dignidade do indivíduo – que pode então, em silêncio, tentar retomar em paz o que lhe resta da caminhada.
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Renato Opice Blum é advogado, economista, professor e presidente do Conselho de TI da Fecomercio-SP. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações