Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A lógica do mercado contra os interesses do mercado

“Empresas substituem empregado experiente por jovem para cortar custos.” Esta manchete da capa do caderno de Economia&Negócios da edição de domingo (15/9) do Estado de S.Paulo poderia conter graves denúncias. Vale pela identificação de um fenômeno sóciocultural. Vale também como denúncia do que está acontecendo em nossa imprensa (ver aqui).

Os drásticos cortes de pessoal nas redações brasileiras a partir de abril deste ano obedecem à mesma lógica denunciada pela manchete e duplamente cruel na indústria jornalística. Os profissionais mais experimentados – e, portanto, mais valorizados – estão sendo substituídos por outros mais jovens com até 24 anos.

Aumenta visivelmente a diferença entre os salários dos demitidos e os dos admitidos. A troca não é vantajosa: com a mão de obra menos qualificada, cai a qualidade do produto e, logo em seguida, cairá a receita publicitária. A dinâmica do mercado trabalha contra o próprio mercado, afetando um segmento já claudicante e ameaçado pela concorrência digital.

A matéria do Estadão (de autoria de Alexa Salomão e Luiz Guilherme Gerbelli) não discute as implicações do processo, mas o identifica. É o bastante.

Queimar etapas

A qualidade editorial é diretamente proporcional à experiência dos quadros profissionais. Parece óbvio, mas essas obviedades não contam na aritmética dos custos. Uma redação capaz de atender às exigências do seu leitorado deveria reproduzir a distribuição etária da sociedade. Sem a presença dos “núcleos grisalhos”, uma redação com idade média de 24 anos produzirá fatalmente um conteúdo juvenilizado, aquém dos padrões anteriores do veículo e das necessidades da sociedade.

Um hipotético desembaraço no uso das novas tecnologias não será suficiente para compensar a perda da experiência e expertise. Além do que, o profissional com 40-45 anos recém demitido foi informatizado há pelo menos duas décadas e traz na bagagem um acervo intelectual que o substituto geralmente não dispõe.

Quando se preparava para enfrentar os desafios da redemocratização, início dos anos 1980, a Folha de S.Paulo começou a se desfazer daqueles que a ajudaram a se destacar na década anterior. Além da sempre sedutora ideia de cortar custos e monetizar a qualidade, o jornal pretendia ejetar a geração de “românticos” pré-golpe militar. A cruzada conservadora contra a obrigatoriedade do diploma iniciada naquele exato momento reforça a hipótese de que a tradição da luta contra o autoritarismo – e transferida aos cursos de jornalismo – criaria profissionais resistentes às “modernidades”.

A atual obsessão contra os jornalistas-sêniores, à primeira vista, não parece ter motivações doutrinárias, ideológicas, mas acabará tendo. A garotada não está interessada em questionamentos profissionais-morais, quer subir na vida, queimar etapas depressinha, aparecer, faturar.

Formados nas incubadoras do Opus Dei, os gatekeepers, porteiros, das redações adoram esse mix.