Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A política do ‘jeitinho’

A manchete da edição de sexta-feira (27/9) da Folha de S. Paulo resume e dramatiza o grande desafio do Brasil contemporâneo e o principal obstáculo ao desenvolvimento de um projeto de nação. Diz o título da reportagem: “Novos partidos oferecem verba para atrair deputados”.

Analisado assim, isoladamente, o texto apenas faria o leitor distraído balançar a cabeça e produzir um desses comentários genéricos sobre a falta de seriedade dos políticos. Mas há muito mais entulho por trás dessa manchete. Observe-se, por exemplo, o mesmo assunto tratado por outros jornais.

O Estado de S. Paulo registra na primeira página: “Empresário e petistas ajudaram a criar o PROS” – explicando como a nova agremiação, que tende a reforçar a aliança que apoia o governo federal, conseguiu, quase na clandestinidade, obter o registro que a Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva, tem dificuldade para conseguir.

O Globo, também na primeira página, aponta, sob o título “Troca-troca partidário”, que “para filiar deputados, partidos negociam cargos em diretórios e prometem candidaturas”.

Recorde-se o leitor ou a leitora que, na quinta-feira (26), a Folha havia anotado que o “troca-troca partidário já envolve 9% da Câmara”, mostrando como a legislação estimula uma rotatividade que denuncia a total ausência de compromisso programático de parte dos parlamentares. Na mesma quinta, o Globo observava que os dois partidos recentemente avalizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, o PROS e o Solidariedade, já nasciam com um capital de R$ 600 mil cada um, referente à dotação anual do Fundo Partidário. Já o Estado de S. Paulo publicava que as duas novas agremiações deveriam desencadear migrações envolvendo até 50 deputados federais.

Esse noticiário traduz o resultado das normas criadas pela Constituinte de 1988, que, sob a bela intenção de modernizar o arcabouço do Estado brasileiro, criou instituições desconectadas da sociedade. Aquilo que era solenemente chamado, durante as negociações, no processo da redemocratização, de “pacto da sociedade civil organizada”, acabou degenerando em um grande comércio de lobbies.

Mais do mesmo

Esse é o contexto que se oculta atrás da mercantilização da representação democrática: o que agrega muitos protagonistas da política institucional não são as ideologias – arcabouços de ideias que deveriam apoiar as alternativas para o desenvolvimento de um país moderno –, mas as oportunidades de empreendimentos cuja mercadoria é o poder.

Sem o compromisso com programas e sem prestar contas do significado político de cada decisão que devem tomar no exercício de seus mandatos, muitos parlamentares ficam disponíveis para atuar em favor deste ou daquele interesse específico, transformando-se em meros despachantes de negócios.

O Brasil deu grandes passos, nos anos recentes, para superar alguns de seus mais graves problemas. Produziu-se, por aqui, o fenômeno da mobilidade social em massa, com a criação de uma classe de renda média elevada da condição de pobreza, graças, em grande parte, a políticas sociais eficientes que enfrentaram a frieza dos dogmas do neoliberalismo. Na sexta-feira (27), os jornais voltam a registrar nova queda no desemprego e o aumento da renda média do trabalhador, que se recupera após cinco meses de relativo desgaste.

São notícias alvissareiras que, no entanto, precisam ser ponderadas com o restante do cenário oferecido pela imprensa.

Junto a esses indicadores é preciso considerar também o fato de que uma nova pesquisa de intenções de voto aponta para a rápida recuperação da popularidade da presidente da República: após o desgaste provocado por uma interpretação questionável dada pela mídia tradicional à onda de protestos de junho, a presidente Dilma Rousseff ressurge com chances ainda maiores de vencer a eleição de 2014.

Com a popularidade em alta, é mais provável que a aliança governista ganhe novos adeptos, desidratando ainda mais uma oposição que, mesmo apoiada claramente pela imprensa hegemônica, só atua no varejo e não se mostra capaz de produzir um projeto de país.

Some-se uma coisa com outra, e teremos o quadro institucional recorrente ao qual nos referimos no começo desta conversa. Tendo recuperado a confiança de grande parte da sociedade, o governo é tentado a continuar fazendo mais do mesmo, porque, como se diz, não se mexe em time que está ganhando.

A relativa proximidade da eleição, um tempo curto em termos institucionais, induz a pensar que, nesse período, dificilmente o Executivo e o Congresso irão apressar as reformas há muito prometidas.

Pelo jeito, vamos seguir dando um jeitinho aqui e ali.