Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Velho crime, nova definição

Cinquenta mil mulheres foram mortas por maridos ou companheiros num período de dez anos (de 2001 a 2011). Ou, a cada anos, cinco mil mulheres são vítimas do feminicídio, o novo palavrão em uso para definir a violência contra mulheres praticada por aqueles que, formal ou informalmente, prometem amor e proteção eternos.

A informação foi divulgada quarta-feira (25/9) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em audiência da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados (UOL, 25/9/2013). E o grande destaque é o fato da existência da Lei Maria da Penha, de 2006, não ter mudado a situação da violência doméstica contra mulheres.

A mesma pesquisa detalha que:

>> 40% das mortes de mulheres foram cometidas por parceiros íntimos;

>> metade das mortes foram realizadas com arma de fogo;

>> 36% ocorreram nos fins de semana;

>> 30% ocorreram em vias públicas;

>> a maioria das vítimas é de mulheres negras (60%);

>> 54% das vítimas tinham entre 20 e 39 anos.

O Espírito Santo é o campeão de assassinatos de mulheres por seus parceiros: 11,24 assassinatos de mulheres por 100 mil habitantes. Os vice-campeões são Bahia (9,08 por 100 mil) e Alagoas (8,84 por 100 mil).

Segundo a mesma pesquisa, o estado com o menor número de registros é o Piauí, com 2,71 assassinatos por 100 mil. Mas a pesquisadora Leila Garcia faz um alerta: “Isso não significa que a violência é menor lá. O índice pode significar que não há a coleta correta de dados no Piauí. A consequência é que há uma subestimação desses índices”.

Mais rigor

O que a pesquisa não diz, e talvez nem seja esse o seu papel, é o porquê da violência. O que leva os homens – namorados, maridos, companheiros (ou ex-namorados, ex-maridos, ex-companheiros) – a se sentirem no direito de resolver questões domésticas matando suas mulheres? Nem mostra que papel deveriam exercer os educadores, assistentes sociais e agentes governamentais para tentar mudar essa mentalidade. Não discute também no que a mídia poderia ajudar para começar a mudar essa mentalidade.

No dia da divulgação da pesquisa, por exemplo, a notícia foi veiculada pela Globonews, na hora do almoço. O que dizia? Reproduzia, simplesmente, os números da pesquisa. Sem um comentário, uma entrevista. Nada, enfim, que mostrasse a grandeza do número e a extensão da violência que ainda hoje atinge as mulheres brasileiras.

Cinco mil mulheres mortas por ano é o equivalente à população de uma cidade pequena. O resultado, como mostrou uma pesquisa de agosto de 2013 (divulgada pelo jornal O Estado de S.Paulo) é que 56% dos brasileiros conhecem uma mulher agredida. Os números são do estudo feito pelo Data Popular em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, e mostram uma realidade que não depende da classe social: porcentagem similar de pessoas nas classes A e B (63%), C (54%) e D e E (53%) afirmaram saber de pelo menos um caso do tipo. “A violência doméstica esteve no imaginário como um comportamento do âmbito privado, onde ‘ninguém deveria meter a colher’. Agora percebemos uma preocupação de todos em denunciar e exigir a atuação responsável do Estado nesses casos”, disse Ingrid Leão, coordenadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher.

Para a pesquisadora do Ipea Leila Garcia, além da preocupação com os direitos humanos é preciso levar em conta o prejuízo para a sociedade que a morte dessas mulheres representa: elas são jovens produtivas, que estão no mercado de trabalho e que em geral deixam órfãos.

A única proposta concreta, por enquanto, para tentar proteger as mulheres agredidas – já que a Lei Maria da Penha não está cumprindo o papel desejado – é tornar o feminicídio um agravante, o que implicaria penas mais rigorosas para os culpados. Seria uma coisa boa, desde que os assassinos de mulheres fossem efetivamente julgados, condenados e presos, sem direito a recursos que acabam adiando indefinidamente a punição por seus crimes.

******

Ligia Martins de Almeida é jornalista