Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A guerra à família toda

Como disse o lobo ao carneiro, se não era ele que sujava a água então tinha sido seu pai. Ou irmão. Ou, no caso, a esposa. Alguém tem de ser a vítima.

O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, já bateu boca com o também ministro Gilmar Mendes, por pouco não foi ao choque físico com o ministro Eros Grau, travou um combate pessoal com o ministro Ricardo Lewandowski durante o julgamento do Mensalão. E atacou diretamente o repórter Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo, mandando-o “chafurdar no lixo”. Recondo não tinha tido nenhum atrito pessoal com o ministro, mas havia pedido, pela Lei de Acesso às Informações, dados sobre suas despesas.

Barbosa depois mandou sua assessoria de imprensa apresentar desculpas em seu nome, alegando que estava extremamente cansado e com fortes dores nas costas. A questão parecia estar encerrada – mas agora o ministro pediu a Ricardo Lewandowski que reexamine a situação de uma funcionária de seu gabinete, Adriana Leineker Costa, que está no STF há 13 anos sem qualquer problema. Aliás, há um: Adriana é casada com Felipe Recondo. Barbosa pediu a Lewandowski que afastasse a funcionária por motivos éticos, já que por ser casada com Recondo “poderia gerar desequilíbrio na relação entre jornalistas”.

Algum jornalista já havia se queixado disso? Não. Logo, trata-se apenas de uma conclusão do ministro Barbosa. E Lewandowski parece ter interpretado a questão desta mesma maneira: disse jamais ter observado qualquer interferência do casamento no trabalho de Adriana e que vai mantê-la no cargo, porque não vê motivo que justifique o pedido de Barbosa.

De duas, uma: ou o ministro Joaquim Barbosa sabe de algo desconhecido do público em geral – e espera-se que diga do que se trata, para que eventuais irregularidades não se repitam – ou está pedindo a cabeça da jornalista apenas por ilações – o que não se espera de alguém que ocupa tão alto cargo. Seria terrível concluir que um ministro do Supremo Tribunal Federal, no exercício da Presidência da Corte, poderia ser capaz de estender à família a aversão que eventualmente sinta por um jornalista.

A propósito, a população mundial de carneiros é imensa. A de lobos decaiu muito; e há programas específicos de repovoamento na Europa e nos Estados Unidos para evitar o desaparecimento da espécie.

 

O nome é censura

A Constituição proíbe a censura (artigo 5º, inciso IX: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença). Mais claro, impossível. No entanto, esta parte da Constituição vive sendo desrespeitada, muitas vezes com base em decisões da Justiça.

A organização não governamental Repórter Brasil está sendo censurada por decisão judicial (como O Estado de S.Paulo, sob censura há quase dois anos, a pedido da família Sarney; e a Gazeta do Povo, do Paraná). A Repórter Brasil foi proibida de divulgar qualquer informação sobre a denúncia de trabalho análogo à escravidão na madeireira Pinuscan. Caso desobedeça à ordem judicial, há multa de R$ 2 mil por dia.

E de onde parte a denúncia de trabalho análogo à escravidão na madeireira Pinuscam? Do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho – mais oficial, impossível. A Repórter Brasil costuma publicar em seu portal o resultado de todas as operações desencadeadas pelas duas entidades.

Diz a Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo: “A censura togada no país atenta contra o interesse público e priva a sociedade do direito à informação”. Faltam agora outras manifestações em defesa da liberdade de expressão: a Associação Brasileira de Imprensa, os sindicatos, a Fenaj, entidades como a OAB. Ou se reage agora ou os abusos continuarão a crescer.

 

Comunicação

Na quinta-feira (3/10), a Justiça decidiu rejeitar o registro da Rede, o partido de Marina Silva. Na sexta-feira, Marina Silva convocou uma entrevista coletiva – na qual informou que daria uma entrevista coletiva no sábado. Coletiva para marcar coletiva – enfim, uma novidade no mundo da comunicação.

 

Como…

Outra novidade é o uso de inéditas unidades de medida, em vez das já batidas, conhecidas e repisadas unidades tradicionais.

Uma, de um grande portal informativo, se refere aos apartamentos destinados aos deputados federais.

** “Apenas a sala de estar mede R$ 78 m²”

Talvez a entrada do símbolo do real na frente da metragem queira indicar alguma coisa, algum segredinho – quem sabe?

Outra, também de um grande portal informativo:

** “Greve de jornalista no Pará é encerrada com acordo de R$ 20% de aumento salarial”

Esta é a primeira vez que este colunista vê porcentagem expressa em moeda.

 

…é…

Primeira notícia do portal informativo (aliás, naquela construção típica de quem escreveu com pressa e não teve tempo de consultar alguém que entenda de singular, plural e concordância):

** “Eles teve braços quebrados e traumatismo craniano”

Segunda notícia do mesmo portal, postada pouquíssimo tempo depois, a respeito da mesma pessoa:

** “Ele teve uma luxação no dedo”

OK, a segunda informação foi mais bem apurada. Mas a primeira precisava ser tão diferente da real?

 

…mesmo?

Do portal informativo de um grande jornal:

** “Em frente ao Theatro Municipal, uma agência do banco (…) teve vidraças quebradas, culminando no estopim para a confusão”.

Quanto mais se vive, mais se aprende. Pois não é que este colunista sempre pensou que a frase seria “teve vidraças quebradas, estopim para a confusão”?

 

Pois ficou…

Título de um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “Agência Moody's ameaça rebaixar a nota do Brasil”

Texto do mesmo jornal, logo abaixo do título que fala em ameaça de rebaixamento:

** “A agência de classificação Moody's reduziu (…)”

 

…desse jeito

De um dos maiores portais noticiosos do país:

** “Um policial alfanumérico levou um homem não identificado por desacato para 5ª DP (…)”

É um país cheio de novidades. Havia em outros tempos policiais civis e militares; policiais bons e policiais ruins; policiais violentos e policiais respeitadores das leis. Policial alfanumérico, como uma senha de computador, é coisa recente.

 

Frases

>> De Paulinho da Força, criador do Solidariedade, sobre o governador cearense Cid Gomes, que deixou o PSB e entrou no Pros: “Puxa-saco, que lambe o chão para não perder um ministério irrelevante.”

>> De Marli Gonçalves, jornalista e blogueira (cujo blog http://marligo.wordpress.com/, a propósito, está completando meio milhão de acessos), referindo-se à movimentação dos atletas reunidos no Bom Senso FC: “O Bom Senso quer encontrar a CBF. Mas será que a CBF quer encontrar o Bom Senso?”

>> Do cientista social e marqueteiro Rubens Figueiredo: “A Dilma posando de engraçadinha e bem humorada no twitter soa tão natural quanto o Vampeta analisando a obra de Rousseau.”

>> Do jornalista Ricardo Kotscho, são-paulino fanático, dando conselhos ao presidente de seu clube, Juvenal Juvêncio: “Juvenal, troca o Fabiano pelo piloto do Palmeiras. Afinal, ele já conhece as rotas para todas as cidades dos times da Segundona.”

>> Do jornalista Marcelo Tas, apresentador do CQC: “Se a dupla Cid-Ciro Gomes entra no PROS, eu sou do CONTRAS.”

>> Da jornalista Regina Helena Paiva Ramos, comentando a iniciativa do prefeito paulistano Fernando Haddad de aumentar violentamente o IPTU: “Marta virou Martaxa de tanto aumentar impostos, mas seu secretário adjunto de Finanças era Fernando Haddad. Como gosta de aumentar tudo, também aumentou o analfabetismo quando foi ministro da Educação.”

 

As não notícias

Ah, as boas intenções! Antigamente, bastava alguém ser apontado como suspeito que virava criminoso nas páginas dos jornais. Era ruim: a flecha disparada não volta. Os meios de comunicação criaram então uma fórmula para evitar condenações antecipadas (e, ao mesmo tempo, para evitar processos judiciais).

Que é que aconteceu? De um lado, a exacerbação: o sujeito assassina a mãe na frente de oito testemunhas, porque achou a comida sem sal; confessa o crime numa boa, sem necessidade do hábil interrogatório; está com a arma nas mãos. Mesmo assim é “suspeito”, “suposto criminoso”. De outro, a preguiça na apuração: já que é possível publicar só a suposição, por que apurar a história como ela foi? O consumidor de informação que se contente em não descobrir o que houve.

** “Naldo teria traído Moranguinho”

Traiu ou não traiu? Se traiu, quais os indícios? A propósito, a menos que a tal traição tenha provocado consequências públicas, que é que os outros têm com isso?

** “Jorge Pontual solteiro. Ou vivendo um novo romance?”

Boa pergunta. E qual é a resposta?

** “George Clooney teria sido infiel à sua ex durante o namoro”

Foi ou não foi? Se foi, quais as consequências públicas da infidelidade? Se não houve, que raios de notícia é essa?

 

E eu com isso?

E agora está na hora de louvar a revolução eletrônica. Pois, não fosse o noticiário virtual, florestas e mais florestas seriam derrubadas, fábricas e mais fábricas de papel e celulose espalhariam aquele seu cheiro característico e provocariam amplos debates a respeito da poluição das águas, e tudo para saber que…

** “Anitta devora hambúrguer nos EUA”

** “Goldie Hawn sorri ao ser fotografada em Santa Teresa”

** “Susana Werner comemora aniversário do filho”

** “Kim Kardashian divulga foto da filha North West”

** “Henri beija a barriguinha da namorada”

** “Naomi Campbell já fez loucuras para emagrecer”

** “Ticiane Pinheiro curte festa em São Paulo”

** “De collant, Rihanna faz aulas de pole-dance”

** “Gisele Bundchen mostra fotos de infância”

** “Príncipe Charles e Rod Stewart em inauguração”

** “Val e Bya Barros usam bolsas idênticas em encontro”

 

O grande título

A variedade é ampla. Podemos começar com aquele em que obviamente houve uma falha na digitação, mas que ficou engraçado:

** “Convite para Sessão Solente”

E seguir com o título que não cabia no espaço e entrou como deu (sem preocupação, aliás, em dar uma penteadinha nas palavras que sobraram):

** “Menor da à luz em e joga bebê pela janela”

E um fantástico:

** “Morta acreditava ser seguida por Obama, diz TV”

O pessoal já está até entrevistando quem nunca mais vai falar.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação