Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por uma nova política em relação às drogas ilícitas

A discussão sobre a necessidade de se fomentar uma nova política em relação às drogas ilícitas tem ganhado cada vez mais destaque na imprensa brasileira. Nos últimos meses, publicações de circulação nacional, como a revista CartaCapital, e programas de grande audiência, como oFantástico, produziram extensas matérias sobre esse polêmico e complexo tema. Seguindo essa linha jornalística, a revista Fórum apresentou recentemente um oportuno dossiê, intitulado “Política de drogas: é hora de debater”, que demonstra, a partir da análise de especialistas no assunto, como a política proibicionista, baseada na repressão dos usuários,tem sido um grande fracasso. Não conseguiu diminuir o número de consumidores de drogas e, em contrapartida, contribuiu peremptoriamente para o crescimento da violência.

Para Cristiano Avila Maronna, diretor executivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, “a ideia de um mundo livre de drogas é equivocada. O ser humano sempre teve contato com substâncias psicoativas, seja por finalidades religiosas, medicinais ou recreativas, e chegamos até aqui também por isso. Achar que vamos viver em um mundo sem drogas é uma ideia irrealizável e de um puritanismo absurdo”.

Segundo a juíza aposentada Maria Lúcia Karam, “o debate sobre proibicionismo e guerra às drogas traz consigo uma série de reflexões importantes, sobretudo em relação às garantias das liberdades individuais e à violência do Estado”. Sendo assim, impedir alguém de escolher entre utilizar ou não determinadas substâncias psicoativas (algumas consumidas livremente pela humanidade há milênios, como é o caso da maconha) é um grave ataque à soberania do cidadão frente à sociedade.

Descriminalização facilita acesso aos serviços

Não obstante, a ambiguidade da Lei 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, tem um papel crucial no processo de encarceramento em massa da juventude pobre e negra no Brasil. “A Lei de Drogas tem duas figuras típicas, o usuário e o traficante, só que ela não tem critério para fazer a distinção entre quem é usuário e quem é traficante. Com qualquer quantidade você pode ser considerado traficante, também não se exige provas de que a pessoa de fato vende drogas e isso faz com que muitos usuários sejam condenados como traficantes, com base em presunção, e isso acaba tendo um recorte socioeconômico. Ser pobre e morar na favela será utilizado no destino do flagrante”, conclui Cristiano Avila Maronna.

Seguindo essa linha de raciocínio, Ilona Szabó de Carvalho, cofundadora da Rede Pense Livre, frisou que “a política de guerra e enfrentamento também é responsável por boa parte das mortes por homicídios de jovens negros entre 15 e 19 anos, geralmente intitulados traficantes, como se isso justificasse execuções e outros abusos”.

Por sua vez, o psicólogo Luiz Paulo Guanabara destacou que a descriminalização das drogas seria importante para facilitar o acesso do dependente químico às políticas de redução de danos e aos serviços de saúde. “Sem dúvida, a descriminalização facilita o acesso aos serviços. Até porque se hoje um usuário entra em um hospital e diz que está lá porque passou a noite cheirando cocaína e está com o coração acelerado, sentindo que vai ter um infarto, com certeza a maioria da equipe do hospital vai olhá-lo como um criminoso, como uma pessoa perdida na vida.”

Contribuição à sociedade

De acordo com dados apresentados pelo dossiê da revista Fórum, ao contrário do que muitos temiam, em países como Portugal e Espanha, que descriminalizaram o uso dedrogas para o uso pessoal, não foi constatado o aumento geral no número de usuários e tampouco essas nações se transformaram em centros turísticos para o consumo de drogas, atraindo o chamado narcoturismo.

Por outro lado, importantes setores industriais são veementes contrários a liberação das drogas ilícitas, não por questões humanitárias, mas por razões mercadológicas. Conforme o demonstrado por pesquisas em laboratório, os efeitos de algumas substâncias ilegais no organismo humano são semelhantes aos efeitos produzidos por remédios vendidos indiscriminadamente em qualquer drogaria. Desse modo, a indústria farmacêutica global não admite, em hipótese alguma, perder seu monopólio de “entorpecer” a população.

Em suma, a maioria dos argumentos contra a descriminalização dos usuários de drogas não é baseada em premissas sólidas e consistentes, mas apoiada em ideologias extremamente conservadoras, em falsos-moralismos e em poderosos interesses econômicos. Nesse sentido, a revista Fórum, ao dedicar uma edição para discutir a política sobre drogas, presta uma grande contribuição à sociedade brasileira.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG