Em um debate sobre biografias realizado nesta sexta-feira no pavilhão brasileiro da Feira do Livro de Frankfurt, o jornalista Ruy Castro chamou de “campanha antidemocrática” pela “censura prévia” a ofensiva contra biografias não autorizadas lançada pela associação Procure Saber, que reúne músicos como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Chico Buarque. Autor de livros sobre Garrincha, Carmen Miranda e Nelson Rodrigues, Castro se mostrou preocupado com as possíveis consequências da campanha sobre “toda a produção intelectual do país”:
– A expressão “biografia autorizada” significa que devo submeter o livro à aprovação do biografado. Se isso não é censura prévia, então eu não sei português. O Procure Saber faz uma campanha antidemocrática que pode render frutos, afinal eles são famosos e têm acesso a políticos. E isso é uma ameaça não só para biógrafos, mas também historiadores, jornalistas, ensaístas, para toda a produção intelectual do país. O Brasil não pode ficar impedido de saber sua História só porque Roberto Carlos não quer que saibamos de sua perna mecânica – provocou Castro.
Castro elogiou a atitude da ministra da Cultura Marta Suplicy de consultar os autores sobre a polêmica das biografias, em um encontro com a delegação brasileira em Frankfurt na terça-feira. Mas lamentou a postura de Marta sobre o pagamento de royalties a biografados, sugerido por integrantes do Procure Saber. Na terça-feira, depois do encontro, Marta disse ao GLOBO que ficou “impressionada” com os argumentos dos escritores e que pretende “ouvir todos os lados para formar um entendimento”.
– Na reunião, Marta pareceu aberta ao diálogo. Isso é ótimo, porque até então ela só vinha ouvindo o outro lado, repetidamente. Mas a ministra disse que entendia o argumento de que devemos pagar royalties (aos biografados). Isso é dízimo! Então, se eu pagar dízimo, posso falar da perna mecânica do Roberto Carlos?
História prejudicada
Castro defendeu a mudança do artigo 20 do Código Civil, que regula o direito à privacidade e tem sido usado como argumento em ações judiciais de figuras públicas ou seus herdeiros que se sentem lesados por biografias. Lembrou o caso de seu livro sobre Garrincha, “Estrela solitária”, que passou um ano fora de circulação devido a um processo movida pelos herdeiros do jogador. E citou outros casos famosos, como a biografia de Noel Rosa escrita por Carlos Didier e João Máximo, que chegou a ser publicada em 1990, mas foi proibida por iniciativa dos herdeiros e permanece fora de catálogo até hoje.
– É a melhor biografia já feita até hoje de um compositor brasileiro, mas está impedida de circular – lamenta Castro, que cogita não publicar mais biografias se o impasse legal não for resolvido. – Enquanto não for assegurada minha independência, não quero fazer biografias. Outros biógrafos também pensam assim. A maior prejudicada é a história brasileira.
A mesa com Ruy Castro teria também a participação do jornalista Fernando Morais, autor de biografias de Assis Chateaubriand e Paulo Coelho, entre outros, mas ele cancelou sua ida a Frankfurt no início da semana.
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Guilherme Freitas, do Globo