Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Da química à computação

O mundo é regido por reações químicas. Como interage um medicamento em uma determinada célula? Como exatamente operam os mecanismos da fotossíntese? Como funciona uma enzima em um ser vivo? Reações assim podem ser extremamente complexas – e, por vezes, ocorrem a velocidades altíssimas. Isso dificulta, e muito, o trabalho dos pesquisadores ávidos por estudá-las em tempo real. Na verdade, é muito difícil, para não dizer impossível, acompanhá-las sistematicamente na natureza. Mas elas podem ser entendidas com muito mais precisão e clareza quando estudadas com a ajuda de modelos computacionais.

Exatamente por isso o prêmio Nobel de Química deste ano foi concedido a três pesquisadores que lançaram as bases da modelagem computacional de reações químicas de alta complexidade. São eles Martin Karplus, da Universidade de Strasbourg (França) e da Universidade Harvard (EUA); Michael Levitt, da Universidade de Stanford (EUA); e Arieh Warshel, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA).

O tema parece abstrato. “Mas os métodos desenvolvidos por esse trio resultam em aplicações as mais variadas: desde o entendimento de sistemas biológicos até a compreensão de processos industriais complexos, que envolvem várias reações, muitas vezes simultâneas”, comenta o químico Fernando Wypych, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “A queima de combustíveis fósseis em um motor, ou a eliminação de poluentes no catalisador de um carro”, elenca Wypych, “são exemplos de reações que podem ser mais bem entendidas a partir de simulações computacionais, já que a dinâmica desses processos, além de complexa, é rápida demais.” Hoje, para os químicos, o computador é um instrumento tão importante quanto o tubo de ensaio, lê-se no texto oficial da premiação.

Do mundo clássico aos domínios quânticos

Em uma reação química, moléculas maiores podem ser descritas pelas equações da física clássica, mas processos mais diminutos só podem ser entendidos com o auxílio da mecânica quântica.

Até pouco tempo atrás, químicos engajados em trabalhar com modelagem computacional contavam com duas possibilidades somente: ou usavam programas baseados nos ditames da física newtoniana (para calcular, por exemplo, movimentos de moléculas de grandes dimensões); ou programas específicos para cálculos quânticos (para entender, por exemplo, trocas energéticas entre mecanismos biológicos em nível atômico).

O problema é que, em uma reação química – e na natureza, em verdade –, esses dois mundos se interpenetram. E modelos capazes de lidar com ambos, de forma harmônica, só foram possíveis após os trabalhos de Karplus, Levitt e Warshel. “Nesses modelos, Newton e sua maçã interagem com Schrödinger e seu gato“, brinca o texto oficial de divulgação do prêmio, referenciando a interação entre o mundo clássico e o mundo quântico.

Teoria aplicada

A pergunta pode até ser ingênua: podemos imaginar, por exemplo, tecnologias, processos ou tratamentos derivados direta ou indiretamente dos estudos coordenados por Karplus, Levitt e Warshel?

Certamente. Técnicas de modelagem computacional, hoje, são empregadas em praticamente qualquer área da química”, diz o químico René Nome, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E completa: “Desenvolvimento de novos fármacos, catalisadores, células solares mais eficientes… São inúmeros exemplos.”

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Henrique Kugler, do Ciência Hoje On-line