No final da década de 1980, as primeiras máquinas fotográficas digitais começavam a aparecer. Elas resultaram de todo um processo que se iniciou com as câmeras escuras. Hoje tem-se uma miríade de modelos e de opções – das que tiram fotos quando reconhecem sorrisos àquelas que filmam em full hd. No campo jornalístico, essa evolução é fundamental no que tange a função-mor do fotojornalismo: informar por imagens (BUITONI, 2011).
E com as muitas possibilidades – e desafios – que a internet oferece, a captação de imagens com teor informativo apresenta matizes bem diferentes daqueles iniciados com Niépece, Daguerre, Erich Salomon e tantos outros. Da Kodak nº 1, lançada em 1888 por George Eastman, até os atuais modelos DSLR, tem-se um cenário imagético que alia apropriações tecnológicas a ritos sociais – e o jornalismo é um destes ritos.
O universo do fotojornalismo é um bom exemplo de como os avanços tecnológicos tem influenciado a prática jornalística. Claro, isso não é novidade: da invenção da imprensa e do rádio ao aparecimento da televisão, do telefone ao computador, da internet a um sem-número de caminhos possíveis às narrativas jornalísticas; em todo esse percurso sócio-histórico, o fazer jornalístico se vê imerso num universo que envolve a questão técnica. Alias, é próprio do campo jornalístico unir linguagens, tecnologias e ciências sociais, como bem ressalta Nilson Lage (2006).
Apuração aprofundada
Com a explosão do uso dos gadgets, isso fica ainda mais evidente. Mas a automatização do jornalismo vai além do uso de tablets ou smartphones. Passa também por processos e programas que detectam padrões em grandes volumes de dados (FIDALGO, 2007). O trabalho braçal do jornalista fica a cargo de uma máquina. Ótimo! Mas que isso não seja a regra ou que não prevaleça um olhar meramente estatístico. Ricardo Kotscho, no mesmo período em que chegavam ao mercado as máquinas digitais que dão mote a este texto (1989), era enfático e soa mais atual do que nunca, empostando que lugar de repórter é na rua.
Com as novas tecnologias surgem os prosumers (TAPSCOTT, 2007): quem consome também produz informação. O monopólio informativo dos jornalistas é quebrado por blogueiros, por ninjas midiáticos e afins. A tecnologia streaming é uma benção para a difusão ao vivo e para que, de fato, a comunicação se torne horizontal. Mas isso, claro, não diminui em um grau sequer a importância do jornalista como mediador da troca de informação.
Porém, como lembra Sacristán (1999), comunicação é mais do que simplesmente “informar algo a alguém”. Isso é fácil de fazer via redes sociais, e-mail ou webradio. A questão é pensar num jornalismo mais que desfrute dessas tecnologias em prol de uma apuração aprofundada, de um material final mais elaborado esteticamente. Enfim, mais humanístico, e longe de algoritmos (NORMANDE, 2013), por exemplo, que escrevam o – já mecânico – lead.
Jornalismo como pauta
Por isso, é fundamental colocar o jornalismo no centro dessas discussões, a fim de estancar de uma vez por todas a sangria desatada do “jornalista sentado” (PEREIRA, 2004), que já se valia enormemente do telefone e, mais recentemente, virou “rato de internet”, pensando ser possível encontrar o mundo inteiro na rede, com mais volume de dados e vivacidade inclusive.
Corrobora com esse pensamento o repórter Rubens Valente, da Folha de S.Paulo, sucursal de Brasília, que é dado a investidas investigativas e, em palestra no evento “Midia Jor”, do portal Imprensa, na semana passada, afirmou que as novas tecnologias são importantes para o jornalismo, mas que o ponto central é discutir a produção jornalística, seus métodos e funcionamento.
Engana-se, portanto, quem acredita na consistência do “jornalista sentado”, o que inclui desde conglomerados empresariais mais preocupados com número de acessos e cifras do que em material jornalístico qualificado até jovens estudantes que almejam se tornar, um dia, trabalhadores da notícia e da reportagem. Que se transformem em operários, contudo que cheguem lá entendendo e exercitando a lida de suar a camisa para conseguir uma grande matéria.
Reportagens que partem de erros judiciais
E isso se faz ouvindo e vendo pessoas de verdade, a partir de uma escuta atenta, respeitosa, entretanto também curiosa, perspicaz, inconformada com as primeiras explicações, sedenta de buscar o sentido por trás da performance. É que nesse aspecto o enunciado jornalístico vale mais que mera mercadoria ou novidade no reino virtual, pois, a final, fundamenta-se na intenção de alterar um estado de coisas em outro, em benefício coletivo, explica Chaparro (2007).
Que a velocidade continue a ser um dos elementos mais comuns do jornalismo, dada a relação entre sentido de urgência e a responsabilidade social de “entregar” ao púbico um crítico apanhado acerca da realidade em movimento. No entanto, a velocidade não pode virar fetiche, sob pena de limitar a potencialidade do próprio do ambiente virtual da internet, adequado ao que Pavlik chama de “jornalismo 360 graus”, com a inserção e conjugação de vídeos, áudios, textos, hipertextos, infográficos, fotografias e animações, senso, assim, capaz de fornecer ao público “experiências imersivas” (Santaella, 2010). Como exemplo tem-se hoje reportagens multimídias e os e-singles que apontam direções possíveis à fruição informativa a partir da racionalização da apresentação do texto noticioso (SODRÉ, 1996).
Afinal, como se aprende na academia e no dia-a-dia do “jornalismo de rua”, sempre é bom manter o ceticismo, mesmo diante de fontes de informação pessoais confiáveis – oficiais ou anônimas –, documentos em papel, amarfanhados, ou digitalizados, em volumosas bases de dados. Lage (2001) ensina que não basta ter acesso às fontes das fontes (relatórios e listagens de consumo quase interno), pois que a consulta pressupõe compreender o assunto, saber o modo de indexação de dados, perceber os que são relevantes dentro do conjunto ou até aqueles que estão escamoteados, invisíveis diante dos leigos. Não notando o jornalista essas nuanças – o que não é vergonha para ninguém – deve ele correr atrás de especialistas de confiança que consigam dar-lhe luz na investigação.
É o que Burgh (2008) fala também quanto às reportagens que partem de erros judiciais e cujo objetivo é reexaminar autos, buscando falhas de procedimentos ou inconsistênciaimprecisão de provas, a fim de possibilitar alteração formal em vereditos e reatualizar estatísticas do setor.
Retroalimentrar a democracia participativa
Então, recorrendo a algo que tem se tornado máxima no meio jornalístico devotado à autocrítica da profissão, o intenso e caótico volume de informações proporcionado pela convergência digital, expresso pela internet, necessita de profissionais que organizem o trânsito e atribuam sentido a isto. Ou seja, é urgente investir na revalorização do jornalista como mediador social, o que não tem o objetivo de afetar a autonomia dos cidadãos coprodutores de informações que interagem constantemente nas redes sociais virtuais, sites e na blogosfera.
Porém isso se faz não repetindo a mediação social fundamentada no oligopólio da informação e na perspectiva de que o jornalista constitui-se em “senhor do fluxo”. Ao contrário, parte-se do entendimento de que o profissional tem como funções precípuas buscar a veracidade no relato dos fatos, possibilitando espaço para diferentes e opostas vozes sociais. O objetivo é estabelecer amplo campo de debate público no sentido de retroalimentrar a democracia participativa.
Bem se vê que ao menos este último capítulo tem mais relação com os pressupostos do jornalismo de décadas atrás. Talvez seja uma pista de que, não só no campo jornalístico “o futuro seja andar para trás” – obviamente, aproveitando o que a contemporaneidade oferece de mais saudável e salutar.
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Iuri Barbosa Gomes e Gibran Luis Lachowski são jornalistas e professores