Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Marcelo Beraba

‘O caderno Turismo da Folha do dia 23 de fevereiro publicou três páginas de serviços em que testava o café da manhã de dez hotéis de São Paulo. A reportagem de abertura tinha o título ‘Café da manhã avizinha paulistano e hotel’.

A capa do caderno assim chamava para a reportagem: ‘Bom dia! Confira avaliação do serviço de café da manhã oferecido aos não-hóspedes por hotéis luxuosos, como o Emiliano e o Unique, em São Paulo’.

Entre os hotéis visitados estavam alguns dos melhores da cidade, além dos dois citados: Pestana, Sofitel, Fasano, Renaissance, Intercontinental, Hilton, Hyatt e uma pequena pousada, Zilah. A idéia é boa, e a apresentação gráfica das páginas foi bem resolvida, com um texto e uma ficha técnica para cada hotel e bastantes fotos.

As fichas resumiam bem o conteúdo da crítica gastronômica: traziam endereços, sítio na internet, preços, horários de funcionamento e uma indicação gráfica do melhor ou do pior do serviço testado.

No dia 28, terça-feira de Carnaval, o jornal publicou uma correção na seção ‘Erramos’: ‘Na reportagem que avaliava o café da manhã nos hotéis Fasano, Unique, Pestana, Sofitel, Renaissance, Emiliano, Hilton e Hyatt (Turismo, 23/2), omitiu-se que o serviço foi testado a convite dos estabelecimentos’.

A correção deixou evidentes quatro problemas. Primeiro: como é possível que, depois de anos e anos de ‘Manual da Redação’, o jornal ainda omita uma informação importante como essa que demonstra o mínimo de transparência e de respeito com o leitor?

Segundo problema: é difícil crer que o serviço foi testado ‘a convite dos estabelecimentos’. É mais provável que o jornal tenha tido a idéia de fazer o teste e tenha procurado os hotéis solicitando a cortesia. Dificilmente dez hotéis tomariam simultaneamente a iniciativa de enviar convites dessa natureza para o jornal. Como saiu, ficou parecendo que o jornal foi procurado pelos hotéis.

Terceiro problema: esse tipo de reportagem exige o anonimato do repórter, caso contrário ele será tratado com uma deferência que nem sempre será estendida para o cliente comum.

Quarto, e o mais importante: por que um jornal como a Folha precisa pedir aos hotéis o favor de não cobrar um simples café da manhã, por mais caro que possa ser?

Se é por economia, é inconcebível. Fiz as contas com base nas informações da reportagem. Se fosse pagar as dez refeições, o jornal gastaria R$ 460,70, incluindo os 10% de serviço e o pagamento do estacionamento. Não é possível que o jornal não tenha orçamento para um gasto como esse.

Já tratei da política de convites em outra coluna sobre o mesmo caderno Turismo (‘A convite’, em 18 de setembro de 2005). O jornal precisa repensar o assunto se quer realmente oferecer uma opinião isenta e qualificada a respeito dos serviços que testa.

O ‘Manual da Redação’ tem uma orientação clara sobre o assunto e, neste caso específico, ele não foi respeitado.

Questionado, o jornal admitiu que não agiu certo. Reproduzo a resposta que recebi da Secretaria de Redação.

‘A Folha considera que errou ao solicitar cortesia aos hotéis para a realização das reportagens com avaliação dos cafés da manhã. O ‘Manual da Redação’ afirma que, ‘ao testar os serviços de um restaurante, por exemplo, é conveniente que o repórter permaneça no anonimato e pague sua conta. De outro modo, sua avaliação poderia ficar comprometida por um atendimento especial ao qual seu leitor não teria acesso.’ É essa a prática adotada pelos repórteres e críticos do Guia e da Ilustrada.’’

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‘O futuro dos jornais – Têm futuro?’, copyright Folha de S. Paulo, 5/3/06.

‘Os jornais brasileiros festejaram, cada um a seu jeito, o aumento de 4,1% de circulação em 2005. A comemoração faz parte do jogo comercial. Mas é evidente que a situação dos diários, principalmente dos grandes, continua crítica.

Folha, ‘O Estado de S.Paulo’ e ‘O Globo’, os três maiores e com mais prestígio, vendiam juntos, em 2000, uma média diária de 1,162 milhão de exemplares. Fecharam 2005 vendendo 813,7 mil exemplares diários. Uma perda de 348,5 mil exemplares por dia, uma queda de 30% em cinco anos. É como se um dos três tivesse deixado de circular.

A Folha pode se sentir aliviada porque parou de cair. Ela vendia 440,7 mil exemplares por dia em 2000, caiu para 399,7 mil (2001), para 346,3 mil (2002), 314,9 mil (2003) e para 307,7 mil (2004). Fechou 2005 com uma média diária de 307,9 mil exemplares. Cresceu (se é que se pode usar o verbo) apenas 200 exemplares por dia em relação a 2004.

Ainda assim, segue como líder de venda no país, com uma razoável distância em relação aos seus mais próximos concorrentes, ‘O Globo’ (que caiu de 322,5 mil exemplares por dia em 2000 para 274,9 mil em 2005) e ‘O Estado’ (queda de 399 mil para 230,9 mil).

É evidente que todos têm de estar preocupados, apesar dos discursos otimistas. O que está acontecendo com os jornais? Vários fatores atuam simultaneamente, como a concorrência com novas mídias, o crescimento ininterrupto da internet e o fluxo livre de informação, a chegada dos blogs de notícias, as mudanças de comportamento, a falta de investimentos por conta da crise financeira.

Há sinais contraditórios. A circulação continua baixa, com uma reação tímida, mas o faturamento publicitário aumentou, segundo os próprios jornais. E a credibilidade? A única pesquisa que conheço, do Ibope, feita em maio do ano passado, indica que os jornais são muito bem avaliados, embora a minha limitada experiência diária sugira que os leitores estão cada vez mais críticos e questionadores. Irritados, também.

O futuro dos diários é um tema presente hoje nas áreas comerciais da indústria jornalística e nos centros de pesquisa e reflexão universitários. Não estou seguro de que os jornalistas estejam dando a atenção devida.

Para contribuir para a discussão, reproduzo um trecho do último artigo de uma longa série produzida pelo jornalista Matías Molina no ‘Valor’ sobre os 17 principais jornais do mundo. O texto foi publicado no dia 17 de fevereiro com o título ‘O futuro dos jornais’.

Trata dos principais problemas que os maiores e mais prestigiosos jornais do mundo estão enfrentando, como a queda de circulação, a perda de classificados e o desafio de ganhar dinheiro com a internet. Dois trechos, para estimular o debate:

‘Qual é o futuro dos grandes jornais? -Se é que têm algum. Conseguirão adaptar-se e continuar desempenhando seu papel de informar e refletir sobre a sociedade, estabelecendo como até agora a agenda dos debates e as prioridades e os objetivos de seus respectivos países? Ou são, sem sabê-lo, os dinossauros da história da comunicação, destinados a desaparecer lentamente, devorados pelo avanço da tecnologia, tendo como sua última contribuição à humanidade a preservação das florestas? (…)

Há um consenso entre os observadores do mundo da comunicação de que o futuro dos jornais depende em parte da qualidade da informação que conseguirem colocar à disposição do leitor. É também provável que haja, de certa maneira, uma volta ao modelo do século 19, quando os jornais de elite custavam mais caro, mas eram lidos por uma elite. Um modelo possível é que esses jornais tenham no futuro uma circulação inferior à atual, talvez com menos páginas, mas com preço de venda mais elevado. O futuro dos jornais é incerto. Mas não é certo que não tenham nenhum futuro.’’