Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A liberdade individual

Camille Desmoulins, durante a Revolução Francesa, sentenciou: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Logo em seguida, foi guilhotinado pela Revolução. O preceito da liberdade é sagrado. Essa discussão sobre biografias autorizadas ou não me parece ser quase provinda de um mundo extraterrestre. A internet abriga todas estas simultaneidades: você pode inventar uma biografia de qualquer pessoa, pode caluniá-la, pode inclusive forjar artigos assinados por colunistas famosos sem que sejam da autoria deles. Estou totalmente ao lado das intenções do Procure Saber. Para mim, o que Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque fizeram e fazem para a História do Brasil e para a História da Humanidade faz com que eu, de olhos fechados, assine o que eles assinarem. E ainda mais quando coincide com o meu pensamento.

Os fundadores da nossa República, Floriano Peixoto e Benjamin Constant, tiveram o cuidado de tirar a palavra amor da frase de Augusto Comte que está inscrita em nossa bandeira. A frase original de Comte é: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. Tiraram a palavra amor não por maldade, mas para que o povo brasileiro não pensasse que a República iria se imiscuir na vida privada. O critério da intimidade, do foro íntimo e da origem da lei de autorização de biografias, se baseia principalmente neste cuidado: para que amigos, amigas, filhos, netos, parentes, citados em suas longas biografias por causa de sua longa importância histórica, não sejam prejudicados. A liberdade é em primeiro lugar liberdade individual, daí decorrem as outras liberdades, tais como a liberdade chamada libertária, que é a utopia do anarquismo irrestrito, a liberdade com sacanagem, que se chama libertinagem, a liberdade liberticida, que é inclusive suicida e homicida. Vejam quantas variedades de liberdade existem, e no entanto ela sempre volta pra seu sentido original, aquele que é acolhido no confessionário das igrejas, dos templos, das mesquitas, das sinagogas, e em todos os rituais religiosos que têm esta liberdade individual em alta consideração.

Também me lembra uma piada, real, que é descrita no livro do Milovan Dilas intitulado “Conversações com Stálin”, em que ele narra um acontecimento no Mar Negro, onde dois oficiais da KGB, polícia política secreta da URSS, estavam sentados em uma mesa enquanto, em outra, estavam sentadas duas senhoras bem idosas, inglesas, que haviam trabalhado a vida inteira como exemplares cidadãs britânicas impecáveis, e que guardaram um dinheirinho para passar suas férias, já bem idosas, no Mar Negro. A piada, real, consistia no seguinte: “vamos ver quem entre nós dois consegue em primeiro lugar formular uma acusação terrível, passível de prisão, sobre estas duas senhoras”. E, por incrível que pareça, conseguiram achar, embaralhar fatos e condenar aquelas duas inocentes senhoras.

Comparam sempre nossa jurisprudência com países europeus. Para mim, o grande exemplo é a República Popular da China, portanto não entendo o que querem. Não se preocupem, eu adoro ler biografias, minha vida toda foi nutrida por informações de História. Todos ficarão satisfeitos daqui a pouquíssimo tempo, quando implantarem em nossos neurônios os implantes acoplados a robôs sensitivos e tudo então estará simultaneizado. Nossos pensamentos, desejos, sem doenças, com longevidade cada vez maior e o ser humano finalmente mergulhará no novo sistema nervoso, e com todas as biografias instantaneizadas para todos.

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Jorge Mautner é cantor, compositor e escritor