Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

E-Paraná: um desrespeito à comunicação pública

O projeto de lei complementar 383/2013, que prevê a instituição da E-Paraná Comunicação, de autoria do governador do estado, Carlos Alberto Richa (PSDB), revela o que grande parte dos gestores públicos estaduais e municipais deste país entende por comunicação pública.

Primeiro, Beto Richa desmantela a emissora educativa RTVE-Paraná, com sucateamento da estrutura e do quadro funcional. Em seguida, envia à Assembleia Legislativa projeto que institui o que se entende por uma produtora independente (pessoa jurídica de direito privado) de conteúdo audiovisual, com recursos públicos da ordem de R$1.500.000,00.

Segundo o projeto em tramitação recorde na Assembleia Legislativa do Paraná (protocolado em 2 de setembro de 2013, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em 17 de setembro e, em 4 de outubro, já se encontrava em votação na Comissão de Finanças), a E-Paraná Comunicação objetiva “prestar serviços de produção de conteúdo e imagens”, podendo efetuar venda de seus produtos e serviços. Qual o real interesse do governador do estado em criar uma produtora de conteúdo audiovisual? Pergunta, aliás, sem ainda a devida resposta pelo autor da proposta e até mesmo pelos representantes do Legislativo na análise do projeto.

Instrumento de propaganda

Em reunião pública realizada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR), com apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, no dia 4 de outubro, na Sala de Comissões da Assembleia Legislativa do Paraná, representantes de várias entidades questionaram com indignação a proposta do governador, considerando-a um desrespeito a todos os cidadãos paranaenses.

Ao criar uma empresa privada de comunicação com recursos públicos e fins lucrativos, o Estado se desvirtua dos reais princípios da comunicação pública, entendida como um bem e de interesse de toda sociedade. Os riscos de se criarem instrumentos para transformar a comunicação pública em propaganda política e eleitoreira já são evidentes. A sigla E-Paraná já está em uso desde o início do atual governo do estado, em substituição ao nome da emissora educativa RTVE-Paraná, uma concessão pública e, portanto, patrimônio da sociedade – o que já requer também investigação do Ministério Público.

O uso ostensivo da E-Paraná como instrumento de propaganda pode ser conferido no próprio site da Agência Estadual de Notícias (www.aenoticias.pr.gov.br), órgão de comunicação do governo do estado, vinculado à Secretaria Estadual de Comunicação, em que a maior parte dos conteúdos postados trata de divulgação das ações positivas do governo, em diferentes formatos (texto, áudio e vídeo), os quais podem ser reproduzidos por diferentes veículos de comunicação em diversas cidades do estado (jornal impresso, rádio e televisão).

Afronta ao cidadão paranaense

O que se torna um instrumento de comunicação de extrema eficácia. Em Ponta Grossa, a imprensa local (jornais diários e rádios) tem feito uso dessa prática, reproduzindo na íntegra os conteúdos já disponibilizados pela AEN de forma aberta no site. Entende-se como o velho gillette press, prática de reproduzir na íntegra conteúdos produzidos e publicados por demais veículos, sem a devida referência à origem.

Aqui se torna ainda agravante por se reproduzir sistematicamente conteúdos que se caracterizam claramente como propaganda do governo. Se pelas empresas privadas, esta prática é considerada prejudicial ao jornalismo, por ferir a qualidade da informação, em empresas de comunicação pública torna-se motivo de fiscalização por parte dos órgãos competentes, como Ministério Público, e da própria sociedade, afetada diretamente.

A TVE Ponta Grossa tem sistematicamente incluído em seu telejornal diário conteúdos da E-Paraná, medida adotada pela atual gestão municipal. Em muitos deles, a evidente divulgação das ações do Governo do Paraná. Novamente a pergunta ainda sem resposta, agora por parte da atual gestão municipal: com quais motivos e interesses? Esta prática demonstra que os gestores públicos entendem a comunicação pública como um benefício próprio, independente da quantidade de investimentos financeiros.

Os gestores públicos precisam entender a comunicação como política pública e, portando, a sua finalidade como um benefício para a sociedade. Tudo indica que a TVE Ponta Grossa merece sofrer novamente fiscalização dura por parte do Ministério Público Federal, quando em dezembro de 2011, pediu a regularização da emissora educativa, impondo à Fundação Educacional de Ponta Grossa (Funepo) multa diária no valor de R$ 10.000,00, em função de diversas irregularidades, como a vergonhosa veiculação de comerciais, merchandising e programas de cunho de promoção política. Nesse sentido, a reivindicação à sociedade a se posicionar contra as más gestões públicas, em defesa das emissoras educativas, entendidas como um patrimônio que deve estar a serviço de todos nós! Portanto, compreende-se o projeto de Beto Richa para a E-Paraná, em sua íntegra, amoral, uma afronta a todo cidadão paranaense.

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Hebe Gonçalves é professora e coordenadora do curso de Jornalismo, integrante da Comissão Estadual contra a criação da E-Paraná do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor) e foi membro do Conselho de Curadores da Fundação Cultural de Ponta Grossa (Funepo), gestora da TVEducativa Ponta Grossa (2008-2013)