Passados mais de 45 anos do golpe militar de 1º de abril de l964, ainda permanecem desconhecidos ou obscuros numerosos aspectos da corte de iniquidades cometidas durante 21 anos pelos usurpadores do poder, parte das quais contidas em arquivos militares que seus guardiões recusam abrir, bem como da conspiração que culminou com a derrubada do governo constitucional do presidente João Goulart. Esta foi uma operação de longo alcance, deflagrada a partir do momento da posse de Goulart, em 7 de setembro de 196l, e estendida até o fatídico 1º de abril.
No rastro do que fizera René Dreifuss com o seu clássico 1964: A conquista do Estado e ampliando e aprofundando trabalhos de outros estudiosos que ele menciona na extensa bibliografia que consultou, Aloysio Castelo de Carvalho, eminente professor da Universidade Federal Fluminense, debruçou-se sobre as coleções de importantes jornais do Rio de Janeiro – O Jornal, autodenominado “órgão líder dos Diários Associados”, o poderoso complexo de comunicação do jornalista Assis Chateaubriand, O Globo e Jornal do Brasil – para esquadrinhar a participação que tiveram no movimento para a derrubada do presidente. Esses jornais foram agentes de uma insidiosa guerra ideológica, que, em nome do combate ao comunismo, difundiu entre os militares e empresários a ideia e a proposta de deposição de Goulart.
Sem qualquer réstia de tom panfletário, Aloysio Castelo de Carvalho mostra como esses jornais se arrogaram o papel de intérpretes da opinião pública, para apresentar como exigência desta o rompimento com a suposta linha de bolchevização do Brasil, que seria na verdade, alegavam os detratores e adversários de Goulart, o objetivo da intensa mobilização social que o país vivia a partir de 1961 até à consumação do golpe civil-militar. Carvalho disseca e desmistifica esse entendimento com a exegese de textos clássicos de teóricos que pontificaram sobre os temas opinião pública, democracia e propaganda política, entre os quais, como arrolado na bibliografia, Norberto Bobbio, Edmund Burke, Jean-Marie Domenach, Antonio Gramsci, Jürgen Habermas, Alexander Hamilton, James Madison, Thomas Jefferson, Gustave Le Bon, Montesquieu, Munõz-Alonso. Essa enunciação, embora incompleta, é a prova de que Carvalho foi fundo nas considerações teóricas, o que retira de seu trabalho, como anteriormente assinalado, qualquer eiva de panfleto.
Com rigor de minúcia e invejável paciência, Carvalho devassou os textos publicados por esses jornais a partir da criação da chamada Rede da Democracia em outubro de 1963 até às imediações da data do golpe, quando, paralelamente à armação política promovida pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e sua variante no Congresso, a Ação Democrática Parlamentar, a estratégia traçada pelos conspiradores criou as condições políticas, inclusive com o apoio de grandes mobilizações da massa, como as das Marchas da Família Com Deus Pela Liberdade, para a violação do texto constitucional e deposição do presidente.
Carvalho faz serena análise dos textos sob um viés estritamente político, sem chamar a atenção para o tom raivoso e feroz com que esses escritos buscaram, com êxito, envenenar a opinião pública de que se diziam porta-vozes. Essa serenidade é um dos muitos pontos altos deste trabalho, que enriquece a massa de informações sobre esse momento desafortunado da vida nacional.
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Maurício Azêdo (1934-2013), presidente da Associação Brasileira de Imprensa-ABI