Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal do Brasil


GUEVARA CENSURADO
Leandro Mazzini


Militares censuram Guevara em sala de aula


‘Dirigido pelo brasileiro Walter Salles, o filme Diários de motocicleta conta
a histórica viagem feita pelo jovem Ernesto Che Guevara por países da América
Latina, sem fazer qualquer menção à vida do líder revolucionário que
imortalizaria sua biografia anos mais tarde. Foi exibido mundo afora para
milhões de pessoas e ganhou prêmios mas acabou sendo censurado, em um ponto do
planeta onde a liberdade de expressão deve ter mais poder que a mensagem nas
telas: dentro de uma sala de aula.


O caso aconteceu em agosto do ano passado, na Fundação Osório – entidade de
direito público vinculada ao Comando do Exército – escola onde estudam filhos de
militares e civis no bairro do Rio Comprido, no Rio. Pelo menos 90 alunos de
três turmas da 7ª série estavam numa sala para assistir ao longa, fita
emprestada por uma professora, quando a exibição foi proibida pela direção, sem
justificativa. Os responsáveis pela escola são o general da reserva Ney da Silva
Oliveira e o coronel Geraldo Martinez y Alonzo, presidente e vice-presidente,
respectivamente. General de tropa, Ney Oliveira assumiu o cargo em março de
2003. Foi indicado pelo general Francisco Albuquerque, o mesmo que deu
carteirada em um avião da TAM há 11 dias em Campinas.


Apesar de não precisarem prestar continência para os dois homens fortes, os
professores vivem sob a disciplina rígida dos militares. O caso foi mantido em
segredo pelo corpo docente atéa semana passada, quando a censura passou a
assombrar o professor Maurillo Pereira da Silva Neto, coordenador da disciplina
de geografia, que acabou entregando o cargo. Foi ele quem tomou as dores da
colega censurada e, no relatório final das atividades do ano, criticou a posição
da direção no episódio do filme.


‘A escola desestimula até a projeção de filmes, inclusive com proibição de
exibição de alguns títulos numa clara demonstração de autoritarismo e falta de
flexibilidade dignos de uma ditadura’, desabafou o professor no documento.


Maurillo só não esperava que, aberta uma sindicância interna durante as
férias, voltasse às aulas em fevereiro na mira do conselho diretor. Foi intimado
a dar explicações. No Boletim Oficial Confidencial, de 23 de fevereiro, ao qual
o JB teve acesso, a direção critica a posição do professor ao dizer que é
preciso ‘superar modismos e posições ideológicas arraigadas’.


O documento vai além. É taxativo ao recomendar que os departamentos ‘exerçam
efetivo controle das atividades de ensino praticadas na Fundação,
particularmente quanto aos meios de instrução (filmes, cartazes etc) utilizados
durante as aulas’.


– Eles tiveram a ousadia de sujar uma ficha limpa. Dou aulas há 15 anos, não
posso ficar calado e aceitar isso – lamentou o professor Maurillo Neto.


Sem citar diretamente o caso da censura do filme Diários de motocicleta, o
documento explica o que acha perigoso em atos com que os professores agem contra
os paradigmas da escola. Segundo o general Ney, é como um professor de biologia,
‘ao ministrar aulas sobre sexualidade e reprodução humana (…) quiser projetar
um filme sobre homossexualidade, mostrando explicitamente atos entre pessoas do
mesmo sexo’. Mas Diários não faz apologia ao sexo nem contém cenas de nudez
explícita. O coronel Alonzo, que proibiu o filme sob ordem do general Ney,
tentou explicar a censura.


– Tenho que dar uma educação que seja propícia para todos os alunos. Ele (o
filme) não soma nada em termos educacionais quanto outros filmes.’


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