Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nova presidente da SIP vê ‘ditaduras democráticas’

Em seu primeiro discurso na condição de presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Elizabeth Ballantine atacou na terça-feira (22/10), o que classificou de “ditaduras democráticas” na América Latina, entre as quais mencionou Argentina, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador. “É uma óbvia contradição quando temos governos eleitos pelo povo em eleições livres que começam a destruir a democracia uma vez que chegam ao poder”, declarou a americana, que terá um mandato de um ano frente à SIP, organização que reúne 1.400 veículos de comunicação do continente.

Ballantine substitui o equatoriano Jaime Mantilla, que encerrou seu mandato durante a 69ª Assembleia Geral da entidade, realizada em Denver, nos Estados Unidos. Documento aprovado ao fim do evento apontou as revelações de espionagem nos EUA, o assassinato de 14 jornalistas em um período de seis meses, as restrições crescentes à atuação da imprensa em vários países latino-americanos e a impossibilidade de acesso a informações públicas como as principais ameaças à liberdade de expressão nas Américas.

Ballantine ressaltou que o ataque à imprensa nas “ditaduras democráticas” é feito em nome da verdade, da justiça e da precisão. “Mas são eles (os governos) que definem o que é verdadeiro, justo e preciso”, disse. “Eles ignoram a separação de Poderes, a Justiça, a independência e, claro, a liberdade de imprensa”, afirmou. Durante o evento, o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, Claudio Paolillo, destacou que todos os casos de assassinatos de jornalistas em 2013 no continente permanecem impunes.

Governo Obama

A grande novidade do encontro foi a inclusão dos Estados Unidos no rol de países nos quais a atividade jornalística está sob ameaça. O governo de Barack Obama iniciou mais processos contra funcionários públicos que vazam informações confidenciais do que todas as administrações que o antecederam. Os jornalistas sustentam que a ofensiva amedrontou fontes de informação e levou à quebra do sigilo de comunicação em redações. O caso mais gritante foi o da Associated Press, alvo de investigação sobre a fonte de reportagem de um fracassado ataque terrorista no Iêmen contra um avião com destino aos Estados Unidos.

“A SIP compartilhou preocupação de organizações estadunidenses sobre o rumo na liberdade de imprensa no país, sacudido por revelações de espionagem contra jornalistas e indivíduos”, declarou documento aprovado no fim do encontro.

Leis de acesso

Na América Latina, a entidade defendeu a aprovação de leis de acesso à informação em todos os países da região e criticou a “cultura do segredo” que impera em vários países. “Os presidentes e funcionários públicos da Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, Panamá e Venezuela se negam a conceder entrevistas ou entrevistas coletivas.”

A americana Ballantine disse ainda esperar que os Estados Unidos não esteja no caminho de uma versão própria da “ditadura democrática”, na qual o governo é o único a definir o que é “segurança nacional”.

Os integrantes da entidade criticaram ainda o fato de o Congresso americano continuar mostrando resistência à aprovação de uma lei de proteção à fonte e que evite a prisão de jornalistas.

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ENTREVISTA / ELIZABETH BALLANTINE

“Estamos numa situação sem precedentes”

A prática de espionagem nos Estados Unidos e seu impacto sobre a atividade jornalística será o principal foco de Elizabeth Ballantine no seu mandato de um ano à frente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Mas isso não significa que a entidade abandonará sua atuação no enfrentamento de restrições à atuação de jornalistas e veículos de comunicação na América Latina, afirmou ao Estado.

Quais os principais desafios da SIP?

Elizabeth Ballantine – Nos Estados Unidos, é preciso fazer um trabalho de pressão contra o governo em sua ofensiva de coleta de informações e a tentativa de criminalizar a atuação de repórteres que obtêm informações de pessoas com acesso a dados confidenciais. Nós estamos em uma situação sem precedentes quando tentamos entender como mantemos a força tradicional do indivíduo e nosso direito de não sermos seguidos por nossos governos. É um momento muito novo e incomum para nós.

Como envolver a sociedade no sul do hemisfério no debate sobre liberdade de imprensa?

E.B. – Uma das coisas que precisamos fazer em nossas organizações é contar histórias que mostrem o que a perda da liberdade de expressão significa quando ela acontece. É mais fácil compreender princípios abstratos quando eles são traduzidos em situações humanas.

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Entidade apoia federalização dos crimes no Brasil

A impunidade no assassinato de jornalistas continua a ser o principal problema relacionado à liberdade de imprensa no Brasil, segundo a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que manifestou apoio a projetos de lei e emendas constitucionais que transferem o julgamento desses crimes à Justiça Federal.

Resolução aprovada ontem no encerramento da 69ª Assembleia Geral da entidade listou 21 casos de homicídios de jornalistas registrados no Brasil desde 1988. Em quase todos, os executores ou mandantes ainda não foram julgados ou punidos.

O documento relata investigações inconclusas, inquéritos arquivados, recursos judiciais intermináveis e a fuga de suspeitos ou condenados.

Pressões

A transformação de delitos contra jornalistas em crimes federais tem o objetivo de permitir o julgamento dos acusados em um ambiente no qual testemunhas, jurados, promotores e juízes estejam protegidos de pressões locais de grupos ligados aos mandantes e executores dos delitos, justificou a SIP na resolução.

“A combinação de violência e impunidade provoca compreensível e terrível autocensura nas redações”, afirmou a nova presidente da entidade Elizabeth Ballantine, apontando o Brasil como um dos países da região onde o problema se agravou.

Dos 14 assassinatos de jornalistas registrados nos últimos seis meses no continente americano, dois ocorreram no Brasil. O número só é inferior às três mortes ocorridas no México.

Além de defender a federalização dos crimes contra jornalistas, a SIP também sugeriu a expansão e fortalecimento dos programas de proteção a testemunhas, para que eles sejam eficazes na resolução dos casos. A entidade propôs ainda que não haja arquivamento de inquéritos ou processos não solucionados.

PEC

No Brasil, o Congresso Nacional analisa desde 2010 uma proposta de emenda constitucional que estabelece a competência de juízes federais no julgamentos de crimes cometidos contra jornalistas no exercício da profissão.

O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado desde maio, pronto para ser votado lembrou a SIP.

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Cláudia Trevisan, enviada especial do Estado de S.Paulo a Denver