A associação Procure Saber, que reúne músicos como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, divulgou ontem um vídeo em que reconhece ter adotado uma posição radical em relação às biografias não autorizadas. O grupo afirma que não quer censura prévia e que confia no Poder Judiciário para encontrar uma forma de “conciliar o direito constitucional à privacidade com o direito, também fundamental, de informação”.
O vídeo, editado por João Daniel Tikhomiroff, conhecido por seu premiado trabalho em publicidade e diretor do longa Besouro, traz depoimentos de Roberto, Gil e Erasmo Carlos durante quase cinco minutos.
“Quando nos sentimos invadidos, julgamos que temos o direito de nos preservar e, de certa forma, preservar todos os que de alguma maneira não têm, como nós temos, o acesso à mídia, ao Judiciário, aos formadores de opinião”, diz Gil, que completa: “Nunca quisemos exercer qualquer censura; ao contrário, o exercício do direito à intimidade é um fortalecimento do direito coletivo. Só existiremos enquanto sociedade se existirmos enquanto pessoas”. “Se nos sentirmos ultrajados, temos o dever de buscar nossos direitos. Sem censura prévia. Sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja”, afirma Erasmo.
“Não queremos calar ninguém”
Logo depois, Roberto diz: “Não negamos que esta vontade de evitar a exposição da intimidade, da nossa dor, ou da dor dos que nos são caros, em dado momento nos tenha levado a assumir uma posição mais radical”. E Gil pondera: “Mas a reflexão sobre os direitos coletivos e a necessidade de preservá-los, não só o direito à intimidade, à privacidade, mas também o direito à informação, nos leva a considerar que deve haver um ponto de equilíbrio entre eles”.
A associação sustenta que não abre mão do direito à privacidade e à intimidade, mas defende que quer “afastar toda e qualquer hipótese de censura prévia”. “Queremos, sim, garantias contra os ataques, os excessos, as mentiras, os aproveitadores”, diz Gil, completando: “O debate nos faz bem, nos amadurece, nos faz mais humanos, mais humildes. Agradecemos a todos os que se expuseram conosco, que tiveram suas vidas expostas em nome de uma ideia e que por isto foram chamados de censores”.
Roberto defende que o grupo prega a liberdade e o direito às ideias: “O direito de sermos cidadãos que têm uma vida comum, que têm família e que sofrem e amam, às vezes a dois ou na solidão, sem compartilhar com todos, momentos que são nossos”. E Gil conclui: “Não queremos calar ninguém. Só queremos o que a Constituição já nos garante, o direito de nos defender e nos preservar”. O vídeo termina com Roberto Carlos dizendo: “Não queremos calar ninguém, mas queremos que nos ouçam.”
Em Brasília, os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL), defenderam a aprovação do projeto de lei que libera biografias não autorizadas. O projeto deve ser votado na semana que vem.
A íntegra do que os artistas dizem no vídeo
“Nós somos artistas, passamos a vida a tentar interpretar o sentimento das pessoas, ou, ao menos, a desnudar os nossos. Passamos a vida inteira a falar de amor e do amor. Nem por isto somos experts no assunto. Falamos com sinceridade e com emoção, tentando ser simples e tentando representar, com alguma leveza, a alma das pessoas que nos acompanham ao longo do tempo.
Quando nos sentimos invadidos, julgamos que temos o direito de nos preservar, e, de certa forma preservar a todos os que de alguma maneira não têm, como nós temos, o acesso à mídia, ao Judiciário, aos formadores de opinião. Não é uma decisão fácil, mas ela passa por um juízo íntimo e julgamos ter o direito de saber o que de privado, de particular existe em cada um de nós, nas nossas vidas. Este é um ponto que não podemos delegar a ninguém: decidir o que nos toca a cada qual intimamente, decidir o que nos constrange e nos emociona. Nunca quisemos exercer qualquer censura; ao contrário, o exercício do direito à intimidade é um fortalecimento do direito coletivo. Só existiremos enquanto sociedade se existirmos enquanto pessoas. Se nos sentirmos ultrajados, temos o dever de buscar nossos direitos. Sem censura prévia. Sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja. Não negamos que esta vontade de evitar a exposição da intimidade, da nossa dor, ou da dor dos que nos são caros, em dado momento nos tenha levado a assumir uma posição mais radical. Mas a reflexão sobre os direitos coletivos e a necessidade de preservá-los, não só o direito à intimidade, à privacidade, mas também o direito à informação, nos leva a considerar que deve haver um ponto de equilíbrio entre eles. Queremos, e não abro mão do direito à privacidade e à intimidade, a nossa e a dos que podem sofrer por estarem ligados a nós. Mas queremos também afastar toda e qualquer hipótese de censura prévia. Queremos, sim, garantias contra os ataques, os excessos, as mentiras, os aproveitadores. Confiamos que o Poder Judiciário há de encontrar uma maneira de conciliar o direito constitucional à privacidade com o direito, também fundamental, de informação.
Foi por acreditar que este debate seria melhor com a participação de toda a sociedade que nos juntamos, vários colegas artistas, em defesa destas ideias. O direito ao debate nos faz melhor, nos amadurece, nos faz mais humanos e humildes. Agradecemos a todos os que se expuseram conosco, que tiveram suas vidas expostas em nome de uma ideia e que por isto foram chamados de censores. Nós estamos onde sempre estivemos: pregando a liberdade, o direito às ideias, o direito de sermos cidadãos que têm uma vida comum, que têm família e que – acreditem – sofrem e amam, às vezes a dois ou na solidão, sem compartilhar com todos, momentos que são nossos. Por acreditar nesta fantástica conquista do direito à intimidade é que colocamos nossa cara a tapa, com todo o respeito, no entanto, à liberdade de informação. Nossa vida é nossa melhor defesa. E se aqui nos exprimimos, o fazemos não só em nosso próprio nome, mas em nome daqueles, homens e mulheres, que não possuem o acesso que temos. Em nome de todos os que querem o direito de preservar esta belíssima conquista constitucional, a nossa privacidade, a nossa intimidade, é que esperamos que o Poder Judiciário e os demais Poderes sejam a nossa voz, a voz de todos. Não queremos calar a ninguém. Só queremos o que a Constituição já nos garante, o direito de nos defender e de nos preservar.
Procure Saber.
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Chico De Gois e Júnia Gama, do Globo.com