Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

E a reportagem sumiu

A Siemens forneceu ao CADE e ao Ministério Público documentos resultantes de investigações internas que apontam indícios de formação de cartel em contratos no setor de equipamentos e serviços para metrôs e trens urbanos. A Alstom, concorrente internacional da Siemens, vem sendo investigada na Suíça pelo pagamento de propina para ganhar concorrências no setor de equipamentos e serviços para metrô e trens urbanos. Nos dois casos, o epicentro é São Paulo.

Pois foi em São Paulo, na semana passada, que se realizou a Fenatran, Feira Nacional de Transportes. Num dos estandes, o da Transpodata, importante revista do setor de transporte de carga, um seminário reuniu durante três dias empresários do setor, dirigentes de sindicatos patronais, altos funcionários do BNDES e especialistas na área. Só não havia imprensa para ouvi-los – não sobre o seminário, mas sobre o tema do cartel e da propina, que centraliza a luta política no Brasil de hoje.

Ouvir um líder empresarial sobre formação de cartel e pagamento de propina em seu setor é complicado: primeiro, dificilmente ele terá vontade de falar. Pode dar galho. Segundo, tem uma barreira de proteção, secretárias, adjuntos, auxiliares. Ficar na porta da empresa ou do sindicato é bobagem: ele sairá pela garagem, num carro com vidros escurecidos, com seguranças, e não vai parar a menos que alguém se arrisque a ser atropelado e se jogue no caminho.

Já num seminário o líder empresarial está fora de seu ninho, desprotegido, ao alcance dos repórteres. Nem é preciso fazer uma entrevista formal: um bate-papo no cafezinho sobre diversos assuntos, inclusive este, permite colher informações preciosas. Dá para ouvir um dirigente conversando com outro, com empresários do setor, trocando figurinhas. Está todo mundo mais descontraído, sem aquele aparato que cerca os escritórios. Não há telefones tocando, nem gente ansiosa reclamando que precisa ser recebida rapidamente. Grandes repórteres já fizeram grandes reportagens apenas ouvindo as conversas, sem necessidade sequer de identificar-se. Ou participando das conversas – nessas horas, ninguém pensa em pedir sigilo para as informações que oferece no papo informal.

Vale a pena ouvir conversas dos outros. Não faz muito tempo, o ministro Ricardo Lewandowski falou muito ao celular, e muito alto, sem perceber que havia jornalistas por perto, e isso deu matéria de grande repercussão. Este colunista, a partir de uma conversa que ouviu, foi ao então chanceler Magalhães Pinto conversar sobre o desejo do governo militar brasileiro de construir uma bomba atômica. Era verdade; e só no governo Collor, vinte anos depois, a estrutura clandestina para produzir a bomba foi desmontada.

Claro que há problemas em buscar informações nos lugares onde estão. Os empresários têm de tocar as empresas e, por isso, esse tipo de evento que os reúne para debater problemas do país sempre ocorre cedo. Oito da manhã, no Parque Anhembi, São Paulo, é jogo bruto; exige que o repórter acorde cedíssimo e passe a manhã no serviço, correndo em seguida para a Redação para disputar seu espaço. Anda-se muito para chegar a qualquer lugar numa feira desse tamanho. Em compensação, além de fazer a matéria que está buscando, é possível passear um pouco e colher outro tipo de informação, que pode levar a outras reportagens. No caso desta Fenatran, por exemplo, houve pelo menos dois fatos que podem levar a boas pautas: o lançamento de muitos modelos de caminhões pesadíssimos e a modernização dos motores (menos poluentes, seguindo os padrões europeus Euro 5) e das cabines, hoje cheia de mostradores e relógios que permitem controlar equipamentos cada vez mais complexos.

Mas quem está preocupado com matéria? Se dá para ganhar de presente informações unilaterais de quem investiga ou acusa, se dá para “ouvir o outro lado” de maneira sumária (normalmente resumido em “Fulano nega as acusações”), agradando assim à fonte acusatória, para que trabalhar mais e ainda se indispor com alguém importante? Só para prestar serviço ao consumidor de informação? É melhor trabalhar mais tranquilo e dormir até mais tarde.

 

Use e abuse

Um assíduo leitor desta coluna, jornalista, lembra que os meios de comunicação frequentemente fazem inumeráveis citações de si mesmos quando publicam alguma reportagem importante, ou dão algum furo. Mas agora viu algo diferente: um grande jornal está se vangloriando de ter sido usado pela fonte, como veículo para um balão de ensaio.

A notícia: “A antecipação do nome pelo (…) serviu, segundo integrantes do Ministério de Minas e Energia, para o Governo ‘testar’ o nome de (…) e, desde a publicação, nenhuma objeção significativa do mercado surgiu contra ele”.

Legal! A fonte tentar usar o veículo para plantar notícia é coisa antiga, mas o veículo gostar de ser usado e festejar o fato é novidade.

 

A lei e a lei

Lei, por definição, é uma norma geral, aplicável num número indefinido de casos futuros. Isto é o que torna a Ley de Medios, que a Suprema Corte argentina acaba de declarar constitucional, algo estranho: embora seja perfeitamente defensável, em princípio, foi criada com o objetivo de atingir um grupo específico, cujo principal crime é opor-se ao governo. É por isso que os adversários da lei a consideram um instrumento de censura, de cerceamento da liberdade de expressão.

A parte mais importante da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual argentina é a que limita a propriedade cruzada dos veículos (TV, rádio, jornal, revista), e restringe o número de concessões que pode ser dado a um determinado grupo. No Brasil, há limite para o número de concessões (desrespeitado de várias maneiras, a tal ponto que, na prática, não existe); nos Estados Unidos, há restrições para a propriedade cruzada. Só que, tanto no Brasil quanto nos EUA, as leis que regem o assunto não foram criadas para atingir determinado grupo, e sim para regular o mercado. Na Argentina, o objetivo declarado é destruir o Grupo Clarín.

A lei foi aprovada pelo Congresso e questionada na Justiça. O Supremo rejeitou a alegação de inconstitucionalidade no dia 29 (sem entrar no mérito: considerou que tinha sido aprovada de forma legal). No dia 31, demonstrando incomum agilidade, o Governo iniciou o processo de desmembramento do Grupo Clarín, dando 15 dias de prazo à empresa para vender dezenas de concessões de TV e rádio. Os meios de comunicação privados não podem, pela nova lei, ter mais de 35% do total de assinantes de TV a cabo, 35% do mercado de TV aberta, dez licenças de rádio, 24 de TV a cabo e uma de TV via satélite.

A fábrica de papel do Clarín foi desapropriada pelo governo há pouco mais de um ano, sob alegação de interesse nacional.

Importante: a Ley de Medios é a inspiração das propostas de grupos ligados ao governo brasileiro (até agora rejeitadas pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo) para aquilo que chamam de “controle social da mídia”.

 

Uma só opinião

Os meios de comunicação ainda não entraram no assunto, mas em breve serão obrigados a analisá-lo (ou a se render a pressões autoritárias para que uma só opinião seja permitida, com a imediata punição a quem tiver posições diferentes). há campanhas organizadas, até com abaixo-assinados daqueles divulgados por organizações internacionais, para calar as vozes discordantes.

1. Pedido ao SBT para afastar a jornalista Raquel Sherazade, que apresenta, com Joseval Peixoto, o Jornal do SBT. Raquel Sherazade é acusada de crime de opinião: segundo os manifestos, “ofende ativistas, protetores e defensores das causas em defesa dos animais, em atitude antiética (…) e reporta opiniões que excitam negativamente a população”.

2. Pedido ao Ministério Público para que aplique “as devidas punições” a Raquel Sherazade. A circunstância de que o Ministério Público não aplica punições, embora possa solicitá-las à Justiça, não inibe os ativistas anti-Sherazade. Onde já se viu ter opiniões diferentes das deles? Também não inibe os ativistas a possibilidade de, se não gostam do que diz a jornalista, trocar de canal ou desligar a TV. Ninguém obriga ninguém a assistir a nenhum programa.

3. Nas redes sociais, há um movimento de boicote a CDs e livros de artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, também por crime de opinião: os três são favoráveis à publicação somente de biografias autorizadas.

Os três estão errados, na opinião deste colunista; isso não significa que deixem de ser excelentes artistas. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Ninguém precisa concordar com Chico, Caetano e Gil; se alguém se sentir profundamente irritado com eles, e não quiser ouvir suas músicas, ninguém o obriga. Mas daí a fazer campanha pelo boicote já cheira a fascismo. Este colunista discorda de diversas opiniões dos três, além das referentes a biografias, e continuará a ouvi-los com grande prazer, como ótimos artistas que são.

4. Baderneiros gritalhões impediram a realização de debates entre Demétrio Magnoli e Maria Hilda Baqueiro Paraíso, e entre Luiz Felipe Pondé e Jean-Claude Kafmann, na Feira Literária de Cachoeira, Bahia. Covardemente, os organizadores dos debates preferiram cancelá-los, para evitar problemas. Não perceberam que o problema já existia e agora irá atormentá-los o tempo todo: ao permitir que fascistas intolerantes impedissem Magnoli e Pondé de participar da Feira, abriram caminho para regimes que, no passado, se notabilizaram por queimar livros com os quais seus dirigentes não simpatizavam. Isso é mortal para uma feira literária. E mostra aos patrulheiros o caminho das pedras: basta fazer barulho e ameaçar com baderna para que os intelectuais que tenham posições diferentes das deles sejam impedidos de manifestá-las.

A propósito, gostar ou não das opiniões de Magnoli, de Pondé, de Reinaldo Azevedo ou de Vladimir Safatle não tem a menor importância. Importante é que eles tenham o direito de exprimi-las. Quem achar que não tem de ser exposto às ideias que constam em seus artigos tem todo o direito de não os ler. Mas não tem o direito de impedir que outros possam lê-los.

A imprensa ainda tem tempo para enfrentar esse problema. A menos que, acomodada, ache mais simples entregar-se de vez à opinião única. Nesse caso, em pouco tempo seu público descobrirá que gastar dinheiro para receber informação será inútil, já que informação não haverá. O final todos já conhecem, pois este filme já passou várias vezes: o mocinho morre.

 

Como…

De um grande portal noticioso, ligado a uma grande empresa de comunicação.

Título: “Usuários do metrô de SP perdem em média R$ 111 por dia no sistema”.

Texto: “Usuários do metrô de SP perdem em média R$ 111 por dia no sistema”.

Isso é que é criatividade: pela primeira vez na história moderna do jornalismo, o texto é absolutamente igual ao título.

 

…é…

De um grande portal noticioso:

** “Cerca de sete manifestantes (…)”

“Cerca de sete” seriam seis, oito? Muita gente optou por jornalismo porque, para entrar em Exatas, era preciso saber matemática. Mas nem contar nos dedos?

 

…mesmo?

Também da Internet, que sempre nos dá exemplos precisos:

** “Nesta quinta-feira, o Milan empatou com a Lazio (…)”

Estaria perfeito – só que a notícia saiu na quarta.

 

Frases

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Carta de mensaleiro para Papai Noel: ‘Quero de Natal um procurador igual ao do caso Alstom’.”

>> Da atriz Cláudia Alencar: “Mãe! Pai! Obrigada por me terem!”

>> Do jornalista James Akel, comentando a entrevista de Roberto Carlos na qual diz que é favorável a biografias sem censura, desde que sejam censuradas: “Parece que Roberto Carlos viu muitos vídeos de Dilma Rousseff fazendo discurso e se inspirou nela”.

>> Do escritor Guilherme Fiúza, comentando a aliança do Sindicato dos Professores do Rio com os black-blocs, cujo apoio consideraram bem-vindo: “Deu-se assim o casamento do século: a educação com a falta de educação”.

>> Do jornalista Fred Navarro: “A manifestação pacífica obrigatória que antecede o quebra-quebra dos Black Blocs já começou, no Rio”.

 

As não notícias

Notícia já era! Notícia pode estar errada, pode dar processo, pode custar caro. Já a não notícia é como se fosse notícia, só que não é. E, se não aconteceu, até que poderia ter supostamente acontecido, por que não?

** “Polícia chinesa busca suspeitos de suposto ataque na Praça da Paz Celestial”

Suposto ataque? Então são supostos suspeitos de um suposto ataque? Afinal, quem é que a Polícia chinesa está procurando?

** “Delegado reage à tentativa de assalto e mata suspeito (…) Um delegado sofreu uma tentativa de sequestro (…) reagiu e matou um dos suspeitos”

Foi tentativa de assalto ou de sequestro? Se a tentativa aconteceu, de que mané suspeito se trata?

** “(…) foram condenadas outras três pessoas (…) sócias de (…) em empresas que supostamente forneciam materiais (…)”

Que Justiça mais estranha! Condena várias pessoas com base em suposições!

 

E eu com isso?

Enfim, terra firme! Nada é suspeito, não há suposições, as informações são sempre autorizadas, já que as assessorias dos envolvidos é que distribuem notícias a todos (e todos as publicam praticamente com a mesma redação). Um mundo tão róseo quanto o Outubro Rosa que acaba de passar; e, em sintonia com Novembro, um mundo em que está tudo azul.

** “Orlando e Miranda passeiam juntos em Nova York”

** “Depois de participar em evento em SP, Paola Oliveira desembarca no Rio”

** “Brown beija a namorada antes da rehab”

** “Fiorella Mattheis e Yasmin Brunet vão juntas à balada”

** “Lady Gaga usa visual dark em Londres”

** “De bota e saia, Sabrina Sato vai ao último dia do evento”

** “Katy Perry mandava cartas de amor para John Mayer antes de namorar”

** “Rodrigo Andrade não tem tempo nem para almoçar”

** “Angelina Jolie está obcecada em ser magra”

** “Carol Magalhães sua a camisa e depois relaxa na piscina”

** “George Clooney está namorando uma modelo croata com quem já saiu”

** “Tas brinca com a camiseta do filho”

** “Rihanna tatua a mão em estilo tribal”

** “Sophie Charlotte chora na TV”

** “‘Angel’ da Victoria’s Secret diz que jamais usa ‘calcinha de vó’”

 

O grande título

A variedade é ampla. Há desde títulos que pedem que o leitor pense no duplo sentido até obviedades absolutas. Digamos,

** “Ponte empata e pode empatar com gols no próximo jogo”

Também pode ganhar, pode perder, pode nem aparecer e perder por WO. E pode ganhar por WO, caso seja o adversário que não apareça em campo. Em resumo, pode tudo. Surpreenda-se: futebol é uma caixinha de surpresas.

Aqui, veja que delícia: antes de pensar o que não deve, esclarecemos que se trata de um tradicionalíssimo banco holandês. Mas dá um certo receio, não?

** “Rabobank vê expansão de operações com base em trocas”

O melhor título, porém, é indiscutível:

** “Preso acusado de suicídio encontrado morto na cela”

As acusações talvez fossem um pouco prematuras, mas verdadeiras.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação