O blecaute que deixou a área insular de Florianópolis 55 horas sem energia elétrica em outubro de 2003 foi lembrado pela imprensa local nos últimos dias, quando o episódio mais traumático da história recente da cidade completou 10 anos. Dos 430 mil habitantes da cidade, 80% vivem na ilha. Sem luz, eles também ficaram sem água e comida. O comércio parou, as escolas fecharam, os hospitais transferiram doentes, o trânsito travou e bandidos aproveitaram as noites escuras para furtar. Foi um “caos na ilha”, como mancheteou o Diário Catarinense à época. Moradores da área continental emprestaram banheiro, chuveiro e cama aos amigos do outro lado da ponte até o problema ser consertado – a estatal de energia elétrica montou uma linha de abastecimento para substituir a que se rompeu acidentalmente naquele 28 de outubro.
Do ponto de vista jornalístico, o blackout também foi marcante, especialmente para alguns repórteres de rádio – o veículo mais acessado no período de caos –, que trabalharam três dias seguidos sem dormir.
Aqui, o episódio servirá de marco para um registro sobre o que mudou nos jornais e sites catarinenses nesses 10 anos e uma breve abordagem da teoria que relaciona a luz elétrica ao sistema nervoso central para explicar nossa afinidade com a tecnologia. Jornais e sites são as duas plataformas jornalísticas mais expostas à expansão da internet e à popularização de computadores e as mudanças que vêm registrando são tópicos emergentes na área da comunicação.
Mundo da máquina
Em 2003, Santa Catarina tinha dois jornais de circulação estadual. Agora tem um só porque em 2006 o grupo RBS, dono do Diário Catarinense, o maior jornal de Santa Catarina, comprou e encolheu o A Notícia, único concorrente, monopolizando a imprensa escrita. O número de sites aumentou no período: na época do apagão, o único portal-referência era o clicRBS, com conteúdo multimídia do grupo homônimo; agora há pelo menos cinco com colaboradores pelo Estado, de empresas distintas. Nota-se um avanço das plataformas digitais frente às analógicas, em um movimento de mercado que há muito se percebe em outros estados do Brasil e outros países do mundo. Em parte, esse movimento está atrelado à cultura digital, fenômeno que vem mudando os modos de produzir e consumir notícias e que é altamente dependente do sistema elétrico.
Na teoria de Marshall McLuhan, uma das maiores autoridades mundiais em comunicação de massa, toda máquina é uma extensão do corpo humano. Com o computador, por exemplo, o homem projeta para fora de si sua memória e sua habilidade para processar e guardar informações. No conceito de “extensão do corpo humano”, a eletricidade é comparada ao sistema nervoso central, algo vital para o funcionamento de todos os órgãos do corpo, assim como o é para quase todas as máquinas.
Com a tecnologia elétrica, diz McLuhan, o homem projetou para fora de si mesmo um modelo vivo do próprio sistema nervoso central, que chama de “rede elétrica” que coordena os diversos meios de nossos sentidos. Em Os meios de comunicação como extensão do homem (1964), o autor destaca: “Fisiologicamente, no uso normal da tecnologia (de seu corpo em extensão vária), o homem é perpetuamente modificado por ela, mas em compensação sempre encontra novos meios de modificá-la. É como se o homem se tornasse o órgão sexual do mundo da máquina, como a abelha do mundo das plantas, fecundando-o e permitindo o envolver de formas novas.”
Diálogo pelo rádio
A simbiose entre homem e máquina está em todos os lugares e objetos, o que explicita a ideia de que todos os equipamentos que dispomos são extensões de nosso próprio corpo. Para ilustrar isso, McLuhan cita o exemplo do rádio, criado em 1912, um dos primeiros veículos de comunicação de massa a basear-se em ondas de recepção e transmissão. “Não é necessário entrar em detalhes técnicos para comparar o ouvido humano ao receptor de rádio. Assim como o equipamento contido no rádio é capaz de decodificar as ondas eletromagnéticas e recodificá-las como som, o ouvido humano faz o mesmo processo com a voz humana ao traduzir o som em ondas eletromagnéticas.”
Voltando ao apagão de Santa Catarina, que nos fez lembrar de tal teoria, o rádio foi o meio pelo qual autoridades e moradores dialogaram nos dias de escuridão. Não havia energia elétrica. Mas havia pilhas.
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Jeferson Bertolini é repórter e mestrando em Jornalismo na UFSC