Depois de quatro anos, o governo de Cristina Kirchner venceu a batalha que travava com o maior grupo de comunicação do país, o Clarín.
Ontem [terça-feira, 29/10], por quatro votos a três, a Corte Suprema da Argentina declarou constitucional a Lei de Mídia, que limita a atuação dos grupos de comunicação.
Com a sentença, o conglomerado dono de jornais, revistas, provedor de internet e emissoras de rádio e TV aberta e a cabo terá que ser desmembrado. O grupo, que em 2011 teve faturamento de US$ 2 bilhões, possui 250 licenças, quando a lei permite 24.
Desde 2009, quando a lei foi promulgada, o Clarín entrou na Justiça pedindo que quatro artigos antimonopólio fossem declarados inconstitucionais. No período, o grupo obteve liminares impedindo a aplicação da lei.
Pela lei, o Clarín não poderá ter emissoras de televisão e rádio, ao mesmo tempo que possui serviço de televisão a cabo e internet.
A Cablevisión, operadora de TV a cabo do Clarín, é responsável por 68% do faturamento do grupo. Se optar por seguir com essa empresa, o grupo terá de reduzir o serviço de cobertura de 59% para 35% da população do país.
Caso a opção seja continuar com as empresas de geração de conteúdo, o Clarín poderá ter dez retransmissoras de TV e 24 de rádio. O Clarín afirma que apelará em tribunais internacionais.
“Davi voltou novamente a vencer Golias”, declarou Cynthia Ottaviano, defensora pública de Serviços de Comunicação da Argentina. “É um triunfo da democracia”, afirmou Martín Sabatella, diretor da Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual).
“A sentença é linda”, disse à Folha Graciana Peñafort, uma das advogadas do governo na causa. “Estávamos convencidos da constitucionalidade da lei, fizemos um estudo muito profundo. Agora a democracia que voltou ao país em 1983 será realmente consolidada”, diz.
Manifestação e prazo
Para comemorar a sentença –que a corte diz ter esperado a passagem das eleições legislativas de domingo para divulgar–, apoiadores do governo convocaram para a noite de ontem manifestação em frente ao Congresso.
“São poderosos e colocam a máscara da liberdade de expressão. Estavam lutando por seu dinheiro”, disse o vice-presidente, Amado Boudou.
Cristina, que se recupera de um cirurgia na cabeça, não tinha se pronunciado até o encerramento desta edição.
As novas regras deverão entrar em vigor imediatamente, mas não há um prazo determinado para que o Clarín faça esse desinvestimento.
Sabatella, da Afsca, disse que são vários os prazos. “O Clarín já foi notificado e haverá uma avaliação dos bens audiovisuais. Depois, haverá o leilão público e a adjudicação das licenças aos novos proprietários”, afirmou.
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Grupo cogita recorrer a cortes internacionais
Em um comunicado divulgado ontem à tarde, o Clarín afirmou respeitar a decisão da Corte Suprema argentina, mas diz que analisará as medidas judiciais que ainda cabem. O grupo estuda recorrer a tribunais internacionais.
Sobre o cumprimento da sentença, diz que “exigirá nas instâncias correspondentes e de maneira prévia a qualquer outra medida, que as mesmas se adequem aos princípios constitucionais de imparcialidade, independência e solução técnica, assinalados pela corte”, segue a nota.
O Clarín informa que continuará defendendo judicialmente cada uma de suas licenças de negócio vigentes e “legitimamente adquiridas”.
A empresa liga a decisão à suposta intenção do governo de “silenciar” a mídia crítica. Diz que tanto a lei quanto a sentença, “ao silenciar, sem justificativa técnica nem competitiva, meios que hoje exercem o jornalismo crítico, configuram um atentado à liberdade de expressão”.
Ações em baixa
Depois que a decisão da Corte Suprema da Argentina foi publicada, a cotação do grupo Clarín caiu 5,7% na Bolsa de Comércio de Buenos Aires.
Na sequência, a bolsa suspendeu as operações. Em um comunicado, disse que teve que “interromper transitoriamente a cotação dos valores” do conglomerado de mídia, até que sejam dadas mais informações.
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Lígia Mesquita da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires