O governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, deu ontem [quarta, 30/10] o primeiro passo para um processo compulsório de adequação do grupo Clarín à Lei de Meios, declarada constitucional pela Corte Suprema de Justiça terça passada. Sem prévio aviso, o presidente da Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFSCA), o kirchnerista Martin Sabatella, foi pessoalmente notificar o principal grupo de meios de comunicação da Argentina sobre o início de um processo de adequação considerado ilegal pelo Clarín, que confirmou sua intenção de recorrer novamente à Justiça nos próximos dias. Em entrevista ao GLOBO, o gerente de comunicações externas do grupo, Martin Etchevers, assegurou que o Clarín está disposto a cumprir a decisão da Corte Suprema, embora esteja avaliando ações em tribunais internacionais, mas exige “igualdade de condições” e um AFSCA “neutro, profissional e imparcial”.
– A atitude de Sabatella foi um novo atropelo do governo e mostrou que a Casa Rosada está disposta a avançar violando até mesmo a resolução da Corte Suprema, que defende um AFSCA técnico e não político – disse Etchevers.
Após entregar uma notificação ao grupo, o presidente da autoridade de aplicação informou que o Clarín tem 15 dias para ratificar as informações recebidas e vencido esse prazo começará um processo que inclui a avaliação econômica das licenças em poder do grupo; seleção das licenças que serão leiloadas; realização dos concursos e entrega das licenças a novos donos. Isso poderia significar, por exemplo, a perda de 134 licenças de TV a cabo, já que o grupo possui 158 e a lei permite apenas 24, entre outros prejuízos para o Clarín.
– A Corte já disse que a lei é constitucional e pronto, vamos avançar – afirmou Sabatella.
Ontem [quarta, 30/10], sua equipe esteve na sede principal do grupo Clarín e, também, na redação do jornal, no canal 13 de TV (um dos de maior audiência do país) e na rádio Mitre. A visita dos enviados do AFSCA aprofundou um clima de forte preocupação entre os trabalhadores de todos os veículos, que temem a perda de postos de trabalho. O grupo Clarín, confirmou Etchevers, não está pensando, ainda, em apresentar um plano voluntário de adequação à lei “porque estamos na etapa de estudar a resolução da Corte e exigir condições igualitárias”. Outros grupos de mídia da Argentina tiveram dois anos para apresentar uma proposta voluntária de adequação à lei e em todos os casos o processo foi muito mais lento do que o governo pretende fazer no caso do Clarín.
–A lei prevê um ano de prazo para a adequação e mais um ano de prorrogação. Queremos e temos direito a esse ano adicional – insistiu o gerente do grupo, que também questionou a atuação de uma autoridade de aplicação “claramente política e imparcial”.
–Vamos impugnar esta adequação compulsória num tribunal de primeira instância – enfatizou Etchevers.
Bronca nos magistrados
A ação do AFSCA de ontem assustou as autoridades do grupo, que especulam com novas medidas arbitrárias.
–Não sabemos que licenças o governo escolherá para leiloar, mas imaginamos que poderiam optar pelo canal 13, onde trabalham os jornalistas mais críticos do kirchnerismo como Jorge Lanata – comentou o gerente do Clarín.
Sabatella disse que o grupo poderia aderir a uma proposta de adequação voluntária apresentada no ano passado por um sócio minoritário da empresa Cablevisión, principal fornecedora de TV a cabo da Argentina. A proposta da Fintech Advisory, que detém 40% da Cablevisón, prevê que o Clarín venda os 60% de ações que possui da companhia, alternativa que o grupo já descartou em reiteradas oportunidades. A Cablevision representa quase 70% do faturamento do Clarín e o grupo não está disposto a vender sua empresa mais importante.
Deputados da oposição afirmaram que pedirão uma liminar à Corte, para que suspenda a aplicação da Lei de Meios até que o AFSCA seja um organismo técnico e imparcial. Sabatella disse, em reiteradas oportunidades, ser um “militante” kirchnerista, deixando claro que o AFSCA está em total sintonia com a Casa Rosada. Paralelamente, ontem surgiram novas versões sobre supostas pressões do governo a membros da Corte Suprema, para que declarassem a constitucionalidade da lei. Segundo o jornal “Clarín”, a própria presidente convocou quatro magistrados do máximo tribunal e deu uma bronca em todos, “porque fazem tudo errado”. Na suposta reunião, Cristina teria dito “não sei para que os escolhi”. A Corte argentina foi renovada durante o governo de seu marido e antecessor, Néstor Kirchner (2003-2007).
******
Janaína Figueiredo é correspondente do Globo em Buenos Aires