Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dez anos sem o trabalhador da notícia

Perseu Abramo nasceu em São Paulo (SP), em 17 de julho de 1929. Fez os estudos secundários no Ginásio do Estado da Capital e no Colégio Estadual Presidente Roosevelt. Em 1959 formou-se no curso de ciências sociais da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, como bacharel e licenciado em sociologia. Em 1968 obteve o grau de mestre em ciências humanas na Universidade Federal da Bahia.
Cedo iniciou suas atividades no jornalismo.

Seu primeiro emprego, obtido por concurso interno, foi o de suplente de conferente de revisor no primeiro Jornal de São Paulo, na ladeira do Seminário, em 1946. De 1948 a 1950 trabalhou como repórter no segundo Jornal de São Paulo, e, na mesma época, como colaborador e repórter na Folha Socialista, semanário do então Partido Socialista Brasileiro. Trabalhou em A Hora, de 1951 a 1952, e, nesse ano, entrou para O Estado de S. Paulo, onde ficou dez anos, passando por várias funções: redator da seção de Internacional, redator de noticiário local, repórter, chefe de reportagem, cronista de suplemento semanal, redator e responsável pelas seções de Interior e de Esportes, subsecretário de redação. Nessa qualidade, coordenou a equipe que fez a cobertura da inauguração de Brasília e obteve o Prêmio Esso de Reportagem, em 1960.

De 1962 a 1970 dedicou-se, principalmente, a atividades de magistério superior, mas, como free lance, colaborou com diversas publicações da Editora Abril, principalmente na série de fascículos ‘Os Grandes Personagens da Nossa História’.

Em 1970 ingressou na Folha de S. Paulo, onde também exerceu várias funções: coordenador de serviços redacionais, editor de Esportes, editor da ‘Folha Ilustrada’ e, principalmente, desde 1972, editor de Educação, seção que montou e dirigiu durante sete anos, e que teve grande êxito na imprensa da época. Em 1979 foi demitido da Folha, em função da greve dos jornalistas, de que participara ativamente.

Trabalhou no semanário político Movimento, de 1980 até seu fechamento, em 1981.
Também colaborou com outras publicações periódicas e em outros serviços jornalísticos. De 1970 a 1972 foi colaborador regular da revista Visão, principalmente nas áreas de educação, ciência e cultura. Além da colaboração nas publicações da Editora Abril, já citada, também trabalhou na renovação da revista do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Novos Estudos, em 1981; na empresa de comunicação Pedro Paulo Poppovic Produções, em 1981; na Editevê, em 1983 e 1984; na Interação, revista especializada em educação do Instituto Yázigi, em 1985.

Sociologia aplicada

Em 1955 colaborou na montagem da Rádio Eldorado, encarregando-se da parte de radiojornalismo e dirigindo as edições experimentais dos primeiros ‘jornais-falados’ dessa emissora.

Em 1983 e 1984, e começo de 1985, trabalhou na TV Globo, colaborando com o Departamento de Jornalismo em projetos especiais como o ‘SP 2000’ e outros.

De 1981 a 1983 editou o Jornal dos Trabalhadores, órgão do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, e também foi responsável pela segunda fase do Boletim Nacional e outras publicações avulsas do PT.

Ainda na área de comunicação e jornalismo, mas no campo do magistério superior, exerceu as atividades seguintes: professor de técnica de jornal na Escola de Jornalismo Cásper Líbero (1960/1962); responsável por uma disciplina de sociologia da comunicação no curso de graduação de ciências sociais na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (1967/1969); coordenador do Setor de Jornalismo da FAAP de São Paulo (1970/1971), professor de disciplinas técnicas do curso de comunicação social – habilitação em jornalismo, da Faculdade de Filosofia e Comunicação da PUC de São Paulo, de 1981 a 1996.

Na área de pesquisa e ensino superior, além das atividades relacionadas ao campo de comunicação social, Perseu Abramo participou ativamente do projeto de criação e instalação da Universidade de Brasília, onde lecionou no Departamento de Ciências Humanas, de 1962 – quando a Universidade foi inaugurada – até 1964, quando ela foi invadida pelas tropas da ditadura militar que se instalara com o Golpe de 1964. Nessa universidade, além de participar das atividades de planejamento e instalação de cursos de graduação e pós-graduação, bem como de projetos de pesquisa, lecionou diversas disciplinas no campo da sociologia (como sociologia geral, sociologia do trabalho, métodos e técnicas de pesquisa em sociologia) e deu cursos avulsos para alunos de graduação e pós-graduação de outras áreas acadêmicas da mesma universidade.

De 1965 a 1970 lecionou na Universidade Federal da Bahia, onde ministrou cursos de sociologia geral e aplicada na Escola de Administração e na Faculdade de Filosofia e em cursos de pós-graduação.

Em 1970 também lecionou na Escola de Sociologia e Política, em São Paulo.

Exerceu também atividades profissionais e técnicas ligadas às ciências sociais: auxiliar e assistente de pesquisas no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo, de 1956 a 1960; técnico de administração do trabalho no Serviço Estadual de Mão-de-Obra da Secretaria do Trabalho do Estado de São Paulo, de 1960 a 1962; coordenador de pesquisas do Setor de Administração Pública da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, de 1965 a 1967; técnico do Instituto do Serviço Público da Universidade Federal da Bahia, de 1966 a 1968, quando participou da elaboração de projetos de reforma administrativa e da implantação dos serviços da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social. Fez também trabalhos de consultoria em pesquisas e sociologia aplicada para empresas de consultoria da Bahia, participando de projetos de reforma administrativa em Feira de Santana, Itabuna e Ilhéus.

Nesse campo, participou de congressos e reuniões científicas e produziu vários trabalhos técnicos.

Militante de base

No campo sindical, Perseu Abramo sempre teve participação ativa. Na década de 1950, quando a efervescência política freqüentemente unificava, não apenas diversas categorias de trabalhadores, mas também estes com outros setores sociais, principalmente os estudantes, fez parte de diversas comissões universitárias de solidariedade a operários em greve e, assim, participou da grande greve de 1953 e de outras campanhas populares, como a do petróleo, a da defesa da escola pública, a da participação estudantil nos órgãos colegiados da universidade etc.

Em 1961 participou da greve dos jornalistas. Na década de 1970 participou do movimento de oposição sindical que retomou o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo das mãos dos pelegos que o dominavam. Teve atuação importante na formação da Comissão de Liberdade de Imprensa do Sindicato e na preparação das teses que, posteriormente, foram debatidas e aprovadas no Congresso de Liberdade de Imprensa, passos importantes da categoria dos jornalistas para combater a censura da ditadura e elevar o grau de conscientização e politização dos jornalistas e dos trabalhadores em geral.

Participou da formulação e da criação dos Conselhos de Representantes de Redação e do Conselho Consultivo desses representantes junto ao Sindicato. Nessa qualidade, participou de campanhas salariais e de negociações com os patrões. Participou ativamente da greve da categoria em 1979, de cujo comando foi um dos integrantes, tendo, como tantos outros jornalistas, sofrido as perseguições patronais que se seguiram ao fim da greve. Foi um dos idealizadores do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, criado pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

No plano político e político-partidário, Perseu Abramo também teve intensa participação. Ainda como secundarista, participou das campanhas de anistia e da luta contra a ditadura Vargas, em 1945/1946. Integrou-se à Esquerda Democrática, em 1946, no apoio à candidatura do líder gráfico João da Costa Pimenta ao Senado da República. Com a fundação do Partido Socialista Brasileiro, oriundo da Esquerda Democrática, passou a integrar a militância desse partido e a participar das lutas do povo brasileiro por transformações sociais. Opôs-se ao Golpe de 64, juntamente com professores e estudantes da Universidade de Brasília, desde os primeiros momentos, tendo sido preso pelo Exército quando da invasão da UnB em 9 de abril de 1964, juntamente com outros professores e milhares de cidadãos brasileiros.

Durante toda a ditadura fez oposição ao regime militar. Participou das lutas por liberdades democráticas, por anistia, e em apoio às oposições e às greves sindicais, e por reformas partidárias. Isso tudo o aproximou – como aconteceu também com numerosos outros jornalistas nos anos 70 – dos líderes sindicais metalúrgicos de São Bernardo, do ABC, de Santos, dos petroleiros de Campinas, dos bancários etc. Logo engajou-se no Movimento Pró-PT (1978/1979) e na fundação do PT (1979/1980) participando de todas as suas etapas, com dedicação total: do apoio à greve dos metalúrgicos (1978), ainda como membro do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA/SP), à participação em todas as discussões e negociações entre os vários segmentos para formação do Partido, da elaboração dos documentos básicos (Manifesto, Programa, Estatuto, Regimento Interno) ao trabalho de arregimentação de filiados. Figurou entre os primeiros signatários da ata de constituição do Partido, na histórica reunião de 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, na capital paulista, e daí em diante nunca deixou de militar, não apenas nos postos de direção, mas em todas as frentes partidárias.

Como militante de base, fez parte do Núcleo de Categoria dos Jornalistas e também do Diretório Distrital da Lapa. Ocupou o cargo de secretário de Comunicação da prefeitura de São Paulo no ano de 1989, durante a gestão de Luiza Erundina.

Política e organização

Sem nunca se afastar da militância de base, foi sistematicamente eleito como delegado para representação dos núcleos e diretórios do PT nos encontros municipais, estaduais e nacionais, participou de todos os encontros nacionais do partido, só deixando de comparecer ao X Encontro (1995), em Guarapari, por motivo de doença. Nesses encontros, participava politicamente nos debates e através da elaboração de documentos básicos, teses e diretrizes, mas também da parte de organização, secretaria e presidência de mesas, feitura de atas e redação preliminar de resoluções.

A mesma combinação de trabalho político e organizativo caracterizou sua participação nos postos de direção que ocupou no Diretório e na Executiva Nacional do PT ao longo dos seus 16 anos de militância, como segundo secretário da Comissão Executiva Nacional, secretário nacional de imprensa e propaganda e, finalmente, secretário de formação política.

Perseu Abramo morreu em 6 de março de 1996, aos 66 anos.

A Editora Fundação Perseu Abramo publicou postumamente o livro Um trabalhador da notícia: textos de Perseu Abramo (1997), organizado por sua filha Bia Abramo, e Padrões de Manipulação na grande imprensa, com posfácio de Aloysio Biondi.

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A comunicação e a ética

Perseu Abramo

[Publicado no Jornal dos Jornalistas (nº 31, outubro de 1990) da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)]

Uma antiquíssima discussão vem ressurgindo com grande força entre os jornalistas: a da ética. Nos últimos anos, os brasileiros vêm sofrendo, a respeito das eleições mas não só a propósito delas, um bombardeio diário de inverdades, de falsas e meias verdades, de mentiras, calúnias, difamações, injúrias e distorções de toda espécie.

Trata-se já não mais de um ou outro fato isolado de abuso ou desvio eventual, ou de uma exceção à regra. Ao contrário: agora é a regra, é a característica essencial da situação, os exemplos opostos constituindo apenas o excepcional. Qual a responsabilidade de cada jornalista nesse processo?

Uma forma de contornar a resposta a essa questão é dizer que a manipulação que a ordena é do proprietário do meio de comunicação. Isso é verdade. mas é verdade, também, que quem fez, quem executa a manipulação é um jornalista. Não há como fugir disso e é necessário, portanto, examinar em quais circunstâncias têm os jornalistas maior ou menor autonomia para resistir ou opor-se à ordem ou à intenção da manipulação.

Outra resposta é o argumento de que uma coisa é o jornalista enquanto profissional e outra é o jornalista enquanto cidadão. Só que a realidade não é exatamente assim. A distinção entre o ‘cidadão’ e o ‘profissional’ não é tão nítida quanto gostariam que fosse os adeptos dessa justificativa. A postura ética do ‘cidadão’ conforme o desempenho técnico do profissional e os compromissos objetivos e concretos do ‘profissional’ acabam por contaminar a inteireza ética do cidadão. Além disso, é o profissional que é capaz de dar vigência concreta e objetiva às intenções de manipulação do seu empregador permanente ou eventual.

Convívio democrático

Para lembrar um exemplo: as manipulações perpetradas pelo candidato Collor em 1989, certamente contribuíram para o objetivo – a derrota eleitoral de seu adversário. Mas seguramente passaram a fazer parte inarredável da biografia tanto do candidato vitorioso quanto dos jornalistas e publicitários que o assessoraram e executaram as manipulações. Nesta campanha eleitoral de 1990, o que está acontecendo na Bahia, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, para citar apenas três em inúmeros exemplos, vai na mesma linha. A obtenção da vitória eleitoral ou do êxito comercial não é o único parâmetro para medir a excelência de um currículo profissional, jornalista ou não. Existe uma dimensão ética, que não pode ser captada ou medida por pontos e quantidades, mas que permanece imanente à biografia de cada um.

Essa dimensão ética é que parece estar em crise na maior parte das atividades de comunicação no Brasil de hoje. Como entender as acusações recíprocas que se fazem os candidatos através de manchetes e textos dos jornais ou nos programas de rádio e televisão?

Como explicar, por exemplo, essa pérola do new-shit-jornalism, que é o Notícias Populares de São Paulo?

Como justificar a imoralidade que é a concessão de canais de rádio e televisão a parlamentares fisiológicos ou a liberdade concedida aos detentores ou ocupantes de canais de disputarem candidaturas eleitorais?

Como tolerar a impunidade de que gozam os grandes meios de comunicação, quando, sob o injustificável pretexto de uma pretensa ‘liberdade de imprensa’, se julgam acima das leis e dos homens e sobre ambos tripudiam sem respeito à verdade?

A busca de novas formas de convívio democrático exige também que se descubram formas novas de respeito a princípios éticos, tanto na sociedade política quanto na sociedade civil, e, nesta, não só para os donos dos meios de comunicação, mas também para os seus empregados.