Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Faltou um amigo para ajudar Chico Buarque’

O principal tema da manhã de sábado [16/11], no penúltimo dia do Festival Internacional de Biografias, em Fortaleza, foi um dos personagens que mais causaram controvérsia em meio à polêmica das biografias: Chico Buarque. Em debate ao lado da jornalista Regina Zappa, o também jornalista Humberto Werneck sugeriu que o compositor não teve “manha” ao acusar Paulo César de Araújo, autor de “Roberto Carlos em detalhes”, de ter inventado uma entrevista com ele para a biografia do “rei”, proibida em 2007. “No episódio atual, acho o Chico Buarque muito desprotegido. Tenho a impressão de que ele escreveu lá de Paris, e faltou um amigo para ajudá-lo. Ele não teria cometido erros factuais. Ele teve uma falta de manha”, disse Werneck, autor de uma reportagem biográfica sobre o compositor publicada no livro Tantas palavras (Companhia das Letras), com letras de música e fotos de Chico.

Já Regina Zappa, cujo livro mais recente sobre o compositor é Para seguir minha jornada – Chico Buarque, acha que a posição de Chico vem de uma relação conturbada do artista com a imprensa. “Eu achei muito incomum ele vir a público falar, da forma agressiva que ele falou. Eu me lembro de sentir uma relação (de reserva) dele em relação à imprensa, (por conta) de deturpação de frases ou invenção. Ele me disse que tinha uma época em que ele lia o Jornal do Brasil de capacete”, disse Regina.

A biógrafa, uma das poucas jornalistas brasileiras que têm acesso a Chico Buarque, contou que escreveu a ele logo depois de o artigo no Globo acusando Paulo César de Araújo ser publicado, para se manifestar a favor da liberação das biografias. Com Gilberto Gil, de quem também é biógrafa, ela não falou – mas acha que ele deve estar “muito constrangido”.

Uma sessão de análise

Os dois biógrafos autorizados de Chico contaram que, apesar de ele ter acrescentado detalhes interessantes ao material, algumas vezes pediu que trechos fossem suprimidos. Werneck lembrou uma história ocorrida depois do golpe de 1964, quando um amigo de escola do compositor fez uma piada envolvendo o pai do cantor, o historiador Sérgio Buarque de Holanda. “Agora vamos lá na casa do teu pai queimar aquela livralhada socialista”, teria dito o colega. Chico pediu para Werneck suprimir o nome do amigo, que era o hoje jurista Miguel Reale Jr. Regina, por sua vez, revelou que o cantor pediu para ela não contar que pagou as despesas médicas do compositor João do Valle até sua morte, “talvez por modéstia”.

A mesa deste sábado foi a que menos repercutiu as polêmicas da última semana, focando em métodos para apurar e escrever uma biografia. Dentro desse assunto, os dois mostraram um outro lado da discussão: as vantagens de se ter a colaboração dos personagens biografados. No caso, Chico Buarque. Werneck lembrou o dia em que, interessado no processo criativo do compositor, recebeu dele uma fita que registrava o momento em que o samba “Vai passar” surgiu. “Ele está ajeitando uma outra música, tocando violão com o gravadorzinho ligado e, de repente, no meio da outra música, outra coisa se insinua. Era uma coisa um pouco fetal”, afirmou Werneck, lembrando ainda que, por meio da colaboração, descobriu que Chico tem uma relação de culpa perante o próprio sucesso.

Regina, por sua vez, lembrou que a colaboração de Chico foi essencial ao escrever sobre ele para a coleção “Perfis do Rio”, da editora Relume Dumará. A ajuda de Marieta Severo, ex-mulher do artista, diz a escritora, também foi importante para revelar aspectos mais profundos da personalidade de Chico. “Ao entrevistar aquela pessoa, você tem uma técnica para ganhar a sua confiança e as entrevistas passam a ser quase uma sessão de análise. A pessoa conta suas tristezas, seus sonhos. E essa é a vantagem de ter um biografado vivo e que colabora”, disse Regina.

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Mauricio Meireles, do Globo