Nossos reis estão sendo questionados em praça pública por razões diversas. Roberto Carlos, Eike Batista e agora o “rei do camarote”, Alexander de Almeida. A ostentação deste último gerou em torno de 5.400.000 visualizações no YouTube (dados de 14/11/2013). Em uma linha diversa, a psicanalista Diana Corso analisa o episódio do rei do camarote utilizando conceitos psicanalíticos e se reportando “ao aprendizado que não é sem sofrimento, vai se dando aos poucos, à medida que passamos da condição de bebê-rei para se tornar apenas mais um sujeito no mundo, que precisa mais do que sangue azul para mostrar seu valor”. Depois alude à condição de irmão que precisa compartilhar seu convívio com os demais irmãos perdendo esta privilegiada condição.
Entra em cena o papel do interdito, a repressão dos instintos, que Freud chamou de base da condição civilizatória. Assim, deixamos de ser o bebê-rei para vivermos em um mundo onde “esse desejo de reinar nos é proibido, sentimo-nos no dever de interditá-lo aos irmãos que, com sua conduta, ousam nos lembrar que ele segue ali, vivinho da silva”.
Diana Corso questiona justamente esta postura crítica de “linchar em praça pública quem parece indiferente a essas questões em nada contribui para amenizá-las. Apenas apazigua a culpa que carregamos por, apesar das boas intenções, também ostentarmos privilégios – e desejar ainda mais, sejam eles materiais ou não. Condenar Alexander é condenar esse pequeno rei que segue nos habitando e que não combina muito com a imagem de bom samaritano que preferimos trajar ao sair para a praça, real ou virtual, na qual sempre tentamos ostentar nossa melhor imagem”.
Críticas sinceras e apropriadas
Ressalte-se que o linchamento do rei do camarote não é só uma postura crítica daqueles que adotam o chamado senso comum visto que se espraia e envolve quase toda a esquerda e, é claro, cria um constrangimento na direita que vê neste episódio uma oportunidade para todos aqueles que criticam o way of life burguês seja ele calvinista e ascético, e, principalmente, quando perdulário e ostensivo como é o caso. Estabeleceu- se assim uma quase unanimidade.
O questionamento que fiz e reitero é, em sendo o “chuchu” Alexander Almeida um espelho do pior que existe em todos nós, devemos, por tê-lo condenado, ser criticados por inveja, ressentimento, ódio de classe? Então toda vez que deparar com aquelas donas de poderosas caminhonetas fazendo “gato e sapato” no trânsito, parando em fila dupla, devo me conter porque afinal faria o mesmo se tivesse condições? Por último: será que ao criticar o chuchu não estamos fazendo uma autocrítica saudável, reprimindo instintos e evitando cometer o mesmo? Por fazer estes questionamentos à articulista recebi como resposta estar cometendo ostentação travestida de crítica.
Não vai aqui uma chancela às críticas chulas e toscas que são típicas do comportamento do senso comum e agora se reproduzem nas mídias sociais. Críticas, provavelmente, muitas delas calcadas no ressentimento e na inveja. Minha discordância tem a pretensão de defender a possibilidade da existência de críticas sinceras, apropriadas e justas a um modus vivendi em tudo questionável. Possibilidade que foi, por igual, condenada pela crítica dos críticos do rei do camarote.
Sobre o mundo e as coisas
Uma questão que renderia uma bela discussão é a existência, nos sujeitos com o perfil do rei do camarote, de uma valorização maior da imagem da ostentação do que o prazer intrínseco de usufruir os bens de luxo. A minha impressão é que, para estes, o privilégio da exclusividade e distinção oferece mais prazer do que o prazer de tomar champanhe francesa de grife, ter uma Ferrari e gastar 50 mil em uma noite na balada. Para este tipo suponho que não têm o mesmo sabor e satisfação se não tiver um paparazzo registrando ou mesmo bastando estar sendo visto curtindo estes momentos e bens disponíveis a um grupo muito restrito.
Percebo que me esqueci de falar dos outros reis mais importantes: Roberto Carlos e Eike Batista. No entanto, penso que deles já se falou muito e pouco acrescentaria ao já dito por outras vozes mais qualificadas. Preferi encaminhar a análise para este assunto que, em consonância com a hegemonia da cultura visual, é mais visto via YouTube do que discutido, esta maneira velha e arcaica de refletir sobre o ser, o mundo e as coisas.
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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor