Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Era o espetáculo que eles esperavam

A transmissão das prisões dos condenados da Ação Penal 470 (AP), o “mensalão”, foi um show dramático na tarde-noite do feriado de 15 de novembro (sexta-feira) e trouxe elementos destacáveis e possíveis de análise em diversas áreas como direito, política e comunicação. No entanto, chama-se a atenção especial para a cobertura da prisão dos políticos do Partido dos Trabalhadores (PT), com alguns elementos interessantes que merecem ser refletidos no campo de estudos de produção jornalística: o discurso eufórico da imprensa – “novo marco jurídico” e “novo marco político” – e a questão sensacionalista do evento.

Destaca-se a visão obtusa e a tentativa de construir um marco ímpar e paradigmático desse julgamento, que é posto na cobertura como algo cheio de novidade, com o fim da impunidade para “políticos poderosos”, “que ocuparam altos cargos políticos”, o “novo marco jurídico” e “novo marco político” que podem desembocar na consolidação da democracia. O estado emocional de excitação plena transparecido na cobertura do canal Globo News, por exemplo, possibilitou a percepção de como foi dramatizada a ordem de prisão dos políticos do PT, destacando por uma apresentadora como algo há muito tempo “esperado” pela sociedade. Ou seja, o investimento dado na cobertura do julgamento teve seu clímax nesse momento, a prisão – especificamente a do ex-ministro José Dirceu.

Nas formas de comunicação observa-se o limite dos paradigmas jornalísticos da “neutralidade”, “imparcialidade” e “diversidade de fontes”. O euforismo na tonalidade das falas, seus vícios de linguagem, onde a informação era fundamentada nos próprios jornalistas-comentaristas, com elogios às decisões do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), posicionamentos sincronizados nos quais não era permitida a distorção, o contraditório, a crítica ou a alternativa de se questionar certas ações jurídicas, legais e políticas desse ato e circunstâncias. Ao contrário, o ser político era ridicularizado, qualquer crítica ao processo AP 470 era tida como oportunismo político, ridicularizado e minimizado, no mínimo desprezível. O dramalhão produzido e finalmente transmitido em nome da estreita concepção de democracia se bastava, era o espetáculo que eles esperavam.

Sensacionalismo e recalque

Não faltaram elogios aos ministros do STF, principalmente a Joaquim Barbosa, tido como herói da justiça, corajoso e vencedor implacável. A Gilmar Mendes, como “extremamente técnico” em suas decisões. Ao Congresso Nacional foram dados vários rótulos, bem como espaço da confusão e da impunidade. O que se desejava não foi possível: ver os políticos da cúpula do PT algemados; nem mesmo houve a visão de homens derrotados, cabisbaixos e humilhados, ou mesmo operações típicas das prisões dos bandidos semelhantes à programação sensacionalista das tardes. Viam-se políticos com uma história reivindicando, com punhos erguidos, o Estado Democrático de Direito por que tanto lutaram.

O euforismo foi uma parte dessa cobertura e seu contexto de produção feita para um show, regando o sensacionalismo para alimentar o recalque e a distorção moral que está longe de se esgotar no jornalismo. Ao observar a cobertura da Globo News, viu-se uma alternância entre o gênero informativo e de opinião em que se percebeu a construção de um discurso sensacionalista envolvido em informações, imagens e comentários de jornalistas e especialistas, prevalecendo desejos e especulações que nutrem o espetáculo como visão da realidade.

O sensacionalismo de uma forma geral está ligado ao linchamento midiático que se destaca como caixa de ressonância de suspeitos e inocentes expostos à humilhação e execração pública. A fórmula paradigmática “imparcial” e “neutra” deixa o rastro no sensacionalismo e o preconceito cria bodes expiatórios para o estado catártico de parte da sociedade: infanticídios, estupro, incesto, esquartejamento, canibalismo e outros tabus. Há aí um vazio atávico e impulsivo com seus perigos e inconsequências que nutrem linchamentos, depredações e ações violentas. Nesse caso, o sensacionalismo pode ser entendido como elemento e compensação de certas frustrações sociais e morais, com base em um fundo sociopsicológico com elemento sádicos. Tudo isso canaliza ódios coletivos contra pessoas, minorias e adversários políticos que no mais das vezes são marginalizados e estigmatizados na mídia.

O show deve continuar

No caso da cobertura em questão, o sensacionalismo parece estar ligado a valores econômicos da publicidade, onde interessa o lucro e a venda do produto para um público específico, bem como o ódio contra adversários políticos. Nesse caso, a cobertura jornalística é encarada no seu modus operandi com informações superficiais e/ou desinformativas.

Criou-se um universo autorreferente, em uma produção constante com elementos simbólicos fragmentados, transitórios, passageiros e descompromissados. Há uma provocação e incitação oportunista pelo sensacionalismo intencional que lucra com a degradação e o linchamento público de políticos que foram julgados e condenados sob elementos jurídicos atípicos, e com aspectos midiáticos, polêmicos e questionáveis. O que se viu nessa cobertura aponta para o desafio moral do jornalista em produzir informações em volta a interesses diversos dentro de parâmetros que se ampliaram como valor de verdade sobre os fatos e a construção social da realidade.

Portanto, percebeu-se a tentativa de linchamento da reputação de pessoas em nome do sensacionalismo, demonstrando como o jornalismo pode ser penoso e danoso ao cidadão. O discurso informativo da cobertura aponta para uma linha de exacerbação destorcida e desproporcional do interesse público e se torna a concentração acentuada do interesse do grupo que controla os meios de comunicação social e que se acha no direito de dizer os rumos da República. O show deve continuar por muito tempo, com as ilusões de que há novos tempos de resgate da ética e moral política. Falta muito para chegar lá. Para ser uma República escandinava.

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Moisés dos Santos Viana é jornalista, Itapetinga, BA