Isso pode não fazer bem a ninguém. Ao fim deste discurso, algumas pessoas podem acusar este repórter de desonrar seu próprio e confortável ninho, e sua organização pode ser acusada de ter sido hospitaleira a pensamentos heréticos e até perigosos. Mas a complexa estrutura de emissoras, agências publicitárias e patrocinadores não será abalada ou alterada. É meu desejo, se não minha obrigação, tentar falar a vocês, trabalhadores experientes, com alguma sinceridade sobre o que está acontecendo com o rádio e a televisão.
Não tenho nenhuma dica ou conselho técnico a oferecer àqueles que trabalham nesta área de produção de palavras e imagens. Vocês me perdoarão por não falar que os instrumentos com os quais trabalham são fantásticos, que sua responsabilidade não tem precedentes ou que suas aspirações são freqüentemente frustradas. Não é necessário lembrar que o fato de suas vozes serem amplificadas ao ponto de atingirem de uma costa a outra do país não lhes confere maior sabedoria ou compreensão do que vocês possuíam quando elas atingiam apenas de um lado a outro de um bar. Vocês sabem de tudo isso.
De início, vocês também deveriam saber que, assim como testemunhas se apresentam diante de comitês do Congresso, eu me apresento aqui voluntariamente – convidado – como um empregado da Columbia Broadcasting System, ressaltando que não sou administrador ou diretor daquela corporação e que estes comentários são de natureza pessoal. Se o que tenho a dizer é irresponsável, então sou sozinho responsável por dizê-lo. Como não procuro aprovação de meus empregadores ou novos patrocinadores, ou elogios dos críticos de rádio e televisão, então não posso me deixar enganar. Acreditando que, potencialmente, o sistema de transmissão comercial deste país é o melhor e mais livre já projetado, decidi expressar minha preocupação sobre o que acredito estar acontecendo ao rádio e à televisão. Estes veículos têm sido bons para mim além da conta. Não há nenhuma base justa para reclamações pessoais. Não tenho nenhuma rixa, seja com meus empregadores, qualquer patrocinador ou com os críticos profissionais de rádio e televisão. Mas sou tomado por um medo duradouro que diz respeito ao que estes dois instrumentos têm feito à nossa sociedade, nossa cultura e nossa herança.
Nossa história será o que fizermos dela. Se houver historiadores daqui a cinqüenta ou cem anos e tiverem sido preservados filmes de uma semana de nossas três redes, eles irão encontrar gravadas em preto e branco, ou cor, provas da decadência, escapismo e alienação das realidades do mundo em que vivemos. Eu chamo sua atenção para a grade de programação de todas as emissoras no horário de 8 a 11 da noite, na Costa Leste. Vocês encontrarão apenas referências passageiras e espasmódicas ao fato de que esta nação está em perigo mortal. Há, é verdade, programas informativos ocasionais apresentados no gueto intelectual das tardes de domingo. Mas durante os períodos de pico diários, a televisão nos isola das realidades do mundo em que vivemos. Se as coisas continuarem assim, nós talvez tenhamos que alterar um slogan publicitário para ler: OLHE AGORA, PAGUE DEPOIS.
Certamente, se sobrevivermos, nós deveremos pagar por usar este poderoso instrumento de comunicação para alienar a população das duras e exigentes realidades que devemos encarar. Eu uso a palavra ‘sobreviver’ literalmente. Se houvesse uma competição por indiferença, ou talvez por alienação, então Nero e sua lira e Chamberlain e seu guarda-chuva não encontrariam lugar em um programa de início de tarde. Se Hollywood ficasse sem índios, a programação ficaria completamente desorganizada. Então alguma alma corajosa com um orçamento modesto poderia ser capaz de fazer um documentário contando o que, de fato, nós fizemos – e continuamos a fazer – com os índios neste país. Mas isso seria desagradável. E nós temos que, a todo custo, proteger os sensíveis cidadãos de qualquer coisa que seja desagradável.
Máquina de fazer dinheiro
Eu estou inteiramente convencido de que o público americano é mais sensato, contido e maduro do que a maior parte dos programadores de nossa indústria pensa. Seu medo de controvérsia não é baseado em fatos. Eu tenho razões para saber, assim como muitos de vocês, que quando a evidência sobre um assunto controverso é apresentada de maneira imparcial e calma, o público a reconhece pelo que ela é – um esforço para elucidar, e não para perturbar.
Vários anos atrás, quando nós nos comprometemos a fazer um programa sobre o Egito e Israel, amigos bem-intencionados, experientes e inteligentes balançaram suas cabeças e disseram: ‘Isso vocês não podem fazer – serão degolados. É uma controvérsia que envolve emoção, e não há lugar para razão nela’. Nós fizemos o programa. Sionistas, anti-sionistas, amigos do Oriente Médio, autoridades egípcias e israelenses disseram, com um leve tom de surpresa: ‘Foi um relato justo. A informação estava presente. Não temos reclamações’.
Tivemos experiência similar com dois programas de meia hora sobre fumo e câncer de pulmão. Tanto a classe médica como a indústria do tabaco cooperaram de maneira bastante desconfiada. Mas no fim do dia estavam ambas razoavelmente satisfeitas. A questão da precipitação radioativa na atmosfera e da proibição dos testes nucleares foi, e continua a ser, altamente controversa. Mas de acordo com o pouco de evidência que há, telespectadores estavam preparados para ouvir os dois lados sensata e comedidamente. Isto não é dito para reivindicar alguma aptidão especial ou rara na apresentação de assuntos polêmicos, mas para indicar que os fatos não justificam a timidez com relação a estes temas.
Recentemente, porta-vozes das redes têm reclamado que os críticos profissionais de televisão têm sido ‘um tanto desagradáveis’. Há rumores de que, de alguma forma, a competição pelos dólares dos anunciantes fez com que os críticos dos jornais conspirassem contra a televisão e o rádio. Este repórter não deseja defender os críticos. Eles têm o espaço para fazê-lo em benefício próprio. Mas é fato que os jornais e revistas são os únicos veículos de comunicação de massa que permanecem livres de comentários críticos regulares. Se os porta-vozes das emissoras estão tão angustiados sobre o que aparece publicado, deveriam se engajar em comentários regulares sobre os jornais e revistas. É um fato antigo e triste que grande parte das pessoas de televisão e rádio tem uma consideração exagerada pelo que aparece nos veículos impressos. E houve casos em que executivos se recusaram a fazer comentários em particular sobre um programa pelo qual eram responsáveis antes de ouvirem as resenhas impressas. Isto não é exatamente uma demonstração de confiança.
A mais antiga desculpa das emissoras por sua timidez é sua pouca idade. Seus porta-vozes dizem: ‘Somos jovens; não desenvolvemos as tradições ou adquirimos a experiência da mídia mais antiga’. Mas eles estão construindo estas tradições e criando estes precedentes diariamente. Cada vez que eles se rendem a uma voz de Washington ou a qualquer pressão política, cada vez que eles eliminam algo que pode ofender alguma parte da comunidade, eles criam seus próprios precedentes e tradição. Eles querem, na verdade, uma posição exageradamente segura.
Em lugar algum isso é mais bem ilustrado do que pelo fato de que o presidente da Comissão Federal de Comunicações estimula publicamente os radiodifusores a se comprometerem com seu direito legal de editorializar. É claro que empreender uma política editorial, manifesta e claramente identificada, e obviamente não-patrocinada, é algo que requer responsabilidade de uma emissora ou estação. A maioria das estações de hoje provavelmente não tem a força de trabalho para assumir esta responsabilidade, mas ela poderia ser recrutada. Editoriais não seriam lucrativos; se eles fossem mais agressivos, poderiam até escandalizar. É muito mais fácil e menos problemático usar a máquina de fazer dinheiro da televisão e do rádio meramente como um canal pelo qual é transportada qualquer coisa que não seja acusatória, obscena ou difamatória. Deste modo há a ilusão de poder sem responsabilidade.
Mudanças cataclísmicas
Até onde diz respeito ao rádio – o mais satisfatório e gratificante veículo –, o diagnóstico para suas dificuldades é algo simples. E obviamente eu me refiro apenas a notícias e informações. Para progredir, é preciso somente voltar atrás. Ao tempo em que comerciais cantantes não eram permitidos em boletins de notícias, quando não havia comercial em um segmento de 15 minutos de notícias, quando o rádio era algo imponente, alerta e ligeiro. Eu recentemente perguntei a um funcionário de emissora: ‘Por que estes apressados boletins de notícias de cinco minutos (incluindo três comerciais) nos fins de semana?’ Ele respondeu: ‘Porque isso parece ser a única coisa que podemos vender’.
Neste tipo de mundo complexo e confuso, não é possível dizer muito sobre o porquê de haver notícias nas transmissões quando há apenas três minutos disponíveis para elas. O único homem que poderia fazer isso era Elmer Davis, e não existem mais pessoas como ele. Se as notícias de rádio são consideradas bens de consumo, apenas aceitas quando vendáveis, então eu não me importo como as chamam – mas digo que não são notícias.
Minha lembrança também volta ao tempo em que o medo de uma pequena redução nos negócios não resultava em cortes imediatos de pessoal nos departamentos editorial e de relações públicas, tempo em que os lucros das emissoras acabavam de atingir seu valor mais alto. Nós todos concordaríamos, eu acho, que tanto em uma estação como em uma emissora, o grampeador é um substituto pobre para uma máquina de escrever.
Uma das pequenas tragédias sofridas pelas notícias de televisão é que as emissoras não irão nem ao menos defender seus interesses vitais. Quando o meu empregador, CBS, por meio de uma combinação de empreendedorismo e sorte, fez uma entrevista com Nikita Khrushchev, o presidente expressou algumas poucas palavras mal escolhidas e desinformadas, e a emissora praticamente se desculpou. Isso produziu uma raridade. Muitos jornais defenderam o direito da CBS de produzir o programa e a elogiaram pela iniciativa. Mas as outras emissoras permaneceram em silêncio.
Da mesma maneira, quando John Foster Dulles proibiu jornalistas americanos de ir para a China comunista e posteriormente ofereceu explicações contraditórias, as emissoras protestaram brandamente por sua sanção. Depois, aparentemente esqueceram do desentendimento. Será que esta indústria nacional está satisfeita em servir o interesse do público apenas com os pingos de notícias que saem de Hong Kong, para deixar seus telespectadores sem saber das mudanças cataclísmicas que estão ocorrendo em uma nação de 600 milhões de habitantes [em 1958]? Eu não tenho ilusões sobre as dificuldades de se reportar de uma ditadura, mas nossos aliados britânicos e franceses estão mais bem servidos – em seu interesses públicos – com úteis informações de seus repórteres na China comunista.
Difícil de acreditar
Um dos problemas básicos do rádio e da televisão é que ambos os veículos cresceram como uma combinação incompatível de show business, publicidade e jornalismo. Cada uma das três é uma área fantástica e exigente. E quando você coloca as três sob o mesmo teto, a poeira nunca baixa.
Com poucas exceções notáveis, a mais alta administração das emissoras é treinada em publicidade, pesquisa, vendas e show business. Pela natureza da estrutura corporativa, ela também toma as decisões finais e cruciais sobre as notícias. Mas, com freqüência, ela não tem o tempo ou a competência para fazê-lo. Não é fácil para o mesmo pequeno grupo de homens decidir comprar uma nova estação por milhões de dólares, construir um novo edifício, alterar a tabela de preços de publicidade, comprar um novo western, vender uma novela, decidir que linha defensiva tomar com relação ao mais recente inquérito parlamentar, quanto dinheiro gastar na promoção de um novo programa, que adições ou anulações devem ser feitas no existente grupo de vice-presidentes e, ao mesmo tempo – frequentemente no mesmo longo dia – prestar considerações maduras e elaboradas aos diversos problemas confrontados por aqueles encarregados com a responsabilidade pelas notícias.
Às vezes há um conflito entre o interesse público e o interesse corporativo. Uma chamada telefônica ou uma carta de região particular de Washington é tratada mais seriamente do que uma manifestação de um telespectador irado, mas politicamente impotente. É bastante tentador abrir mão de um pequeno tempo de transmissão para discursos frequentemente irresponsáveis e sem razão em um esforço para moderar as críticas.
Em algumas ocasiões, os julgamentos econômico e editorial encontram-se em conflito. E não há lei que diga que os dólares serão derrotados pelo dever. Há pouco tempo o presidente dos Estados Unidos discursou à nação pela televisão. Ele discorria sobre a possibilidade ou probabilidade de guerra desta nação com a União Soviética e com a China comunista – um tema razoavelmente importante. Duas emissoras, CBS e NBC, atrasaram a transmissão em uma hora e quinze minutos. Se esta decisão foi ditada por algo mais do que razões financeiras, as emissoras não explicaram. Aquele atraso de uma hora e quinze minutos, por sinal, equivale a cerca do dobro do tempo exigido para um míssil balístico intercontinental viajar da União Soviética para grandes alvos nos Estados Unidos. É difícil de acreditar que esta decisão foi tomada por homens que amam, respeitam e entendem as notícias.
Pílulas de coceira
Até agora, tenho lidado com as perdas, e os assuntos podem ser ampliados. Mas eu disse, e acredito, que potencialmente nós temos neste país um sistema livre de rádio e televisão superior a qualquer outro. Mas para alcançar sua promessa, ele precisa ser livre e corajoso. Não sugiro aqui que as redes ou estações individuais devam operar como filantropia. Mas não consigo encontrar nada na Declaração de Direitos ou na Lei das Comunicações que diga que elas devem aumentar seus lucros anualmente, a fim de que a República não desmorone.
Eu não sugiro que notícias e informações devam ser subsidiadas por fundações ou contribuições privadas. Tenho consciência de que as emissoras gastaram, e continuam a gastar, consideráveis quantias de dinheiro em programas de assuntos públicos dos quais não podem esperar receber nenhuma recompensa financeira. Eu tive o privilégio na CBS de ocupar posição de destaque em um considerável número destes programas. Eu testemunho, e sou capaz de dizer aqui, que nunca tive um programa recusado por meus superiores por causa do dinheiro que custaria.
Mas todos sabemos que não é possível alcançar o potencial máximo de audiência em um programa autofinanciado fora do horário nobre. Isso acontece porque muitas estações em uma rede – qualquer rede – não aceitarão fazê-lo. Qualquer pessoa que se candidata a receber uma licença para operar no interesse público faz certas promessas sobre o que fará em termos de conteúdo programático. Muitos receptores de licenças não mantiveram estas promessas. A máquina de fazer dinheiro, de alguma maneira, entorpece sua memória. O único remédio para isso são inspeções mais rígidas e ações punitivas da Comissão Federal de Comunicações. Mas na opinião de muitos isso viria como uma perigosa supervisão de programação por uma agência federal.
Então parece que não podemos confiar no apoio filantrópico ou nos subsídios de fundações; não podemos seguir a ‘via auto-sustentável’ – as redes não podem carregar todo o fardo – e a Comissão Federal de Comunicações não pode ou irá disciplinar aqueles que abusam dos recursos que pertencem ao público.
Qual é, então, a resposta? Continuamos em nossos confortáveis ninhos, concluindo que a obrigação destes veículos é quitada quando eles cumprem a função de informar o público por um tempo mínimo? Ou acreditamos que a preservação da República é um trabalho de sete dias por semana, que requer mais atenção, melhores habilidades e mais perseverança do que jamais esperamos?
Eu fico assustado com o desequilíbrio, com a constante luta para atingir a maior audiência possível a qualquer preço; pela falta de um estudo contínuo do estado da nação. Heywood Broun disse certa vez: ‘Nenhum organismo político é saudável até que comece a coçar’. Eu gostaria que a televisão produzisse algumas pílulas de coceira no lugar desta efusão sem fim de tranqüilizantes. Isso pode ser feito. Talvez não seja, mas pode. Não vamos culpar as pessoas erradas. Não se iludam acreditando que os chefes das emissoras controlam o que aparece em suas emissoras. Todos eles têm gosto melhor. Todos respondem a acionistas, e na minha experiência são todos homens honrados. Mas eles devem planejar o que podem vender no mercado público.
Decisão correta
E isso nos traz ao ponto essencial da questão. De certo modo ele gira em torno de expressão ouvida freqüentemente na Madison Avenue: ‘a imagem corporativa’. Não estou totalmente certo do que esta expressão significa, mas poderia imaginar que ela reflete um desejo, por parte das corporações que pagam contas publicitárias, de ter uma imagem pública, ou de acreditar que não são meramente organismos desalmados, desesperados atrás de cada dólar. Eles gostariam que pensássemos que sabem distinguir entre o bem público e o ganho privado ou corporativo.
Então a questão é esta: seriam as grandes corporações que sustentam os programas de rádio e televisão sábias em usar este tempo exclusivamente para a venda de produtos e serviços? É de seu próprio interesse e do interesse dos acionistas fazê-lo? O patrocinador de um programa de televisão de uma hora não compra meramente os seis minutos devotados à mensagem comercial. Ele está determinando, dentro de limites amplos, a soma total do impacto da hora inteira. Se ele sempre, invariavelmente, tenta alcançar a maior audiência possível, então este processo de alienação, de fuga da realidade, continuará a ser pesadamente financiado, e seu apologista continuará a fazer discursos cativantes sobre dar ao público o que ele quer, ou ‘deixar o público decidir’.
Eu me recuso a acreditar que os presidentes e chefes dos conselhos destas grandes corporações queiram que sua imagem corporativa consista exclusivamente em uma voz solene em uma câmara ecoante, ou em uma menina bonita abrindo a porta da geladeira, ou em um cavalo que fala. Eles querem algo melhor, e em algumas ocasiões alguns deles demonstraram isso. Mas a maior parte dos homens que têm como responsabilidade legal e moral gastar o dinheiro dos acionistas em publicidade é deslocada de sua realidade de comunicação de massa por cinco, seis ou uma dúzia de camadas contraceptivas de vice-presidentes, conselhos de relação públicas e agências publicitárias. Seu negócio é vender bens, e a competição é dura.
Mas esta nação enfrenta agora competição com forças malignas que usam todo instrumento sob seu comando para esvaziar as mentes de seus conteúdos e enchê-las com slogans de determinação e fé no futuro. Se continuarmos assim, estaremos protegendo a mente do público americano de qualquer contato real com o mundo ameaçador que nos cerca. Estamos comprometidos em um grande experimento para descobrir se uma opinião pública livre pode criar e dirigir métodos para administrar os negócios da nação. Talvez falhemos. Mas estamos nos limitando desnecessariamente.
Deixem-nos ter uma pequena competição. Não apenas na venda de sabão, cigarros e automóveis, mas na informação de um público inquieto, apreensivo, mas receptivo. Por que cada uma das 20 ou 30 grandes corporações que dominam o rádio e a televisão não decide abrir mão de um ou dois de seus programas regulares anualmente, entregar o tempo para as emissoras e dizer verdadeiramente: ‘Isso é um pequeno dízimo, apenas um pouquinho de nosso lucro. Nesta noite específica não iremos tentar vender cigarros ou automóveis; isso é meramente um gesto para indicar nossa crença na importância das idéias’.
As redes deveriam, e eu acho que poderiam, pagar pelo custo de produção do programa. O anunciante, o patrocinador, teria seu nome creditado mas não teria nada a ver com o conteúdo do programa. Isso mancharia a imagem corporativa? Teriam os acionistas objeções? Eu acho que não. Pela premissa que rege nossa sociedade pluralista, eu entendo que, se as pessoas recebem informações puras o suficiente, elas irão de algum modo, mesmo que depois de muito tempo, alcançar a decisão correta – se esta premissa estiver errada, então não apenas a imagem corporativa mas as corporações estão mortas.
Excesso de gordura
Havia uma velha expressão neste país, usada quando alguém falava demais. Era assim: ‘Vá alugar um auditório’. Sob esta proposta o patrocinador teria alugado o auditório; ele comprou o tempo; o operador da estação local, não importa o quão indiferente, levará o programa ao ar – pois tem que fazê-lo. E aí depende das redes preencher o auditório. Eu não estou falando aqui sobre editorializar, mas sobre uma exibição tão direta, simples e imparcial quanto se é possível fazer. Apenas de vez em quando deixem-nos exaltar a importância das idéias e informações. Deixem-nos sonhar ao ponto de dizer que em uma determinada noite de domingo o horário normalmente ocupado por Ed Sullivan seja entregue a uma pesquisa sobre o estado da educação americana, e uma semana ou duas depois o horário normalmente usado por Steve Allen seja dedicado a um estudo aprofundado sobre a política americana no Oriente Médio.
Seria a imagem corporativa dos seus respectivos patrocinadores danificada? Reclamariam em sua ira os acionistas? Aconteceria algo além do que alguns milhões de pessoas sendo esclarecidas em temas que podem determinar o futuro desta nação, e conseqüentemente o futuro das corporações? Este método também criaria uma competição real entre as emissoras, que tentariam sobrepujar as outras com uma agradável apresentação das informações. Também forneceria uma saída para os jovens hábeis, e alguns até dedicados, interessados em fazer algo mais do que criar métodos de alienar enquanto vendem.
Talvez haja outros e mais simples métodos de utilizar os veículos de rádio e televisão para os interesses de uma sociedade livre. Mas eu não sei de nenhum que possa ser tão facilmente adequado à estrutura do sistema comercial existente. Eu não sei como poderia ser medido o sucesso ou o fracasso de determinado programa. E seria difícil provar a magnitude do benefício advindo da corporação que abriu mão de uma noite de programas de variedades e entretenimento para que a emissora pudesse fazer um trabalho completo sobre o estado atual da OTAN ou os planos para o controle de testes nucleares. Mas eu calcularia que o presidente, e de fato a maior parte dos acionistas da corporação que patrocinou tal empreendimento, sentiria-se um pouco melhor sobre a corporação e sobre o país.
Pode ser que o atual sistema, sem modificações ou experimentos, sobreviva. Talvez a máquina de fazer dinheiro tenha algum tipo de impulso eterno embutido, mas eu acho que não. Em uma considerável escala, os veículos de comunicação de massa em um determinado país refletem o clima político, econômico e social no qual crescem. Essa é a razão pela qual os nossos diferem dos do Reino Unido e França, ou dos russos ou chineses. Atualmente, somos abastados, gordos, confortáveis e complacentes. Desenvolvemos uma alergia a informações desagradáveis ou perturbadoras. Nossos meios de comunicação de massa refletem isso. Mas, ao menos que levantemos nossos excessos de gordura e reconheçamos que a televisão, em grande parte, é usada para distrair, iludir, divertir e alienar, ela e aqueles que a financiam, aqueles que a assistem e aqueles que trabalham nela verão uma imagem completamente diferente apenas quando for tarde demais.
Iluminar e inspirar
Eu não defendo que devamos transformar a televisão em um muro de lamentações de 27 polegadas, onde intelectuais constantemente se queixam sobre o estado de nossa cultura e nossa defesa. Eu gostaria apenas de vê-la refletindo ocasionalmente as duras e inflexíveis realidades do mundo em que vivemos. Gostaria de ver isso feito dentro da estrutura existente, e gostaria de ver os benefícios sobre aqueles que financiam e programam o conteúdo.
Medir os resultados pelo Nielsen, Trendex ou Silex-it não importa. A principal questão é tentar. A responsabilidade pode ser facilmente instalada, apesar de todos os discursos sobre dar ao público o que ele quer. Ela repousa nos grandes negócios, na grande televisão, e repousa no topo. Responsabilidade não é algo que possa ser concedido ou delegado. E ela garante sua própria recompensa: bons negócios e boa televisão.
Talvez ninguém faça nada sobre isso. Eu me aventurei a esboçar a questão sobre um fundo de críticas que podem ter sido muito duras apenas porque eu não pude pensar em nada melhor. Alguém disse certa vez – eu acho que foi Max Eastman – que ‘o publisher que melhor serve seu anunciante é aquele que melhor serve seus leitores’. Eu não posso acreditar que o rádio e a televisão, ou a corporação que financia os programas, estejam servindo bem, ou verdadeiramente, a seus telespectadores ou ouvintes, ou a eles próprios.
Eu comecei dizendo que nossa história será o que faremos dela. Se continuarmos assim, a história se vingará, e o castigo não demorará a nos alcançar.
Nós somos em certo sentido uma sociedade imitadora. Se uma ou duas ou três corporações dedicarem uma pequena parte de sua verba publicitária às linhas que eu sugeri, a conduta cresceria por contágio; o fardo econômico seria suportável, e poderia resultar em uma aventura mais excitante – a exposição a idéias e a entrada da realidade nos lares da nação.
Para aqueles que dizem que as pessoas não assistiriam, não se interessariam, pois são muito complacentes, indiferentes e alienadas, posso apenas responder: há, na opinião deste repórter, consideráveis provas contrárias a esta argumentação. Mesmo que estejam certos, o que têm a perder? Porque se estiverem certos, e este instrumento for bom apenas para entreter, divertir e alienar, então a televisão já está vacilante e nós veremos em breve que toda esta luta estará perdida.
Este veículo pode ensinar, iluminar; sim, pode até inspirar. Mas só pode fazê-lo se os seres humanos estiverem determinados a usá-lo para estes fins. De outro modo, são meramente cabos e luzes em uma caixa. Há uma grande e talvez decisiva batalha a ser travada contra a ignorância, a intolerância e a indiferença. Esta arma, a televisão, poderia ser útil.
Stonewall Jackson, que sabia algo sobre o uso de armas, teria dito: ‘Quando a guerra chega, é preciso empunhar a espada e jogar fora a bainha’. O problema com a televisão é que ela está enferrujando na bainha durante uma batalha por sobrevivência.