O professor Dilton Ribeiro do Couto vem pesquisando o que muitos profissionais da educação se perguntam todos os dias: é possível trabalhar com as redes sociais na sala de aula? É possível aprender e ensinar com o outro, por exemplo, no Facebook? Como se faz isso? O tema foi objeto de estudo de sua dissertação de mestrado que deu origem ao livro, lançado este ano: Cibercultura, juventude e alteridade: aprendendo-ensinando com o outro no Facebook (Paco Editorial, 2013).
Membro do Grupo de Pesquisa Infância, Juventude, Educação e Cultura, do Departamento de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e, hoje, doutorando do mesmo programa, Dilton concedeu uma entrevista para a revistapontocom.
A partir de seu trabalho, o professor apontou caminhos que a escola e os professores deveriam – e podem – trilhar para estabelecer uma melhor diálogo na sala de aula, com vistas ao sucesso escolar, a práticas metodológicas e pedagógicas inovadoras e de acordo com o contexto da cibercultura. Acompanhe:
Por que podemos crer que o Facebook, assim como outras plataformas de mídia, pode, de fato, auxiliar as práticas de ensino?
Dilton Ribeiro do Couto – O Facebook não foi criado com o objetivo de atender às necessidades das instituições educacionais. O que vem ocorrendo é o desejo, cada vez maior, de professores e estudantes pela utilização das redes sociais para aprender-ensinar com o outro. Estou me referindo a um aprender-ensinar potencializado pelas redes sociais e que encoraja a participação simultânea de muitos usuários geograficamente dispersos. A possibilidade que as mídias digitais apresentam para que o internauta possa, ao mesmo tempo, ser receptor e emissor de informação, é o que permite a dinamicidade dos processos interativos online. Defendo que pensar educações na/com a cibercultura não implica em meramente planejar práticas educativas no Facebook, mas de se apropriar desta interface para ampliar os canais comunicativos entre estudantes e seus professores.
Neste sentido, de que forma o Facebook pode auxiliar a escola?
D.R.C – Um dos pontos favoráveis das redes sociais na internet é o fato de romper com o tempo/espaço. Isso significa que, de praticamente qualquer lugar do mundo e a qualquer momento do dia, temos a oportunidade de interagir com outros internautas. Em função disso é que percebo o quanto podemos aprender-ensinar com o outro a partir das práticas sociais que ocorrem no Facebook e que criam vínculos sociais e afetivos entre os internautas. Na minha pesquisa de mestrado, intitulada “Cibercultura, juventude e alteridade: aprendendo-ensinando com o outro no Facebook”, adotei a rede social como campo empírico. O objetivo do trabalho foi compreender como os jovens se apropriavam das informações que circulavam na interface. Uma ocasião em especial me chamou atenção durante a pesquisa e que traz algumas reflexões importantes sobre os processos de ensinar-aprender que podem se desenvolver na internet. A partir de uma reportagem compartilhada no Facebook sobre a relação entre fósseis e a evolução do ouvido dos mamíferos, um grupo de jovens estudantes das ciências biológicas apresentou uma dinâmica interessante de troca de ideias. No debate em questão, uma das jovens, que na época cursava o doutorado na Alemanha, apresentou ao grupo o porquê da discordia dela sobre algumas das informações apresentadas na reportagem. Para isso, ela apoiou-se nas contribuições teóricas de um artigo chinês, também compartilhado aos demais participantes da conversa. O que, a meu ver, tornou o diálogo muito interessante foi a criação de uma rede entre os jovens para discutir a veracidade das informações da pesquisa. Tudo isso só foi possível pela comunicação mediada pelo computador, que permitiu que sujeitos geograficamente dispersos pudessem se encontrar e interagir a partir de várias fontes de pesquisa compartilhadas pela internet.
Nos dias de hoje, é normal professores e alunos serem ‘amigos’ no Facebook. Essa relação contribui para uma maior aproximação e, portanto, para o ensinar e aprender?
D.R.C – As redes sociais fazem parte do nosso dia a dia, dos nossos cotidianos. Estamos nos comunicando intensamente através de diversas redes sociais e a popularização delas é prova disso. Aproximar redes sociais e escola poderia se constituir como um caminho interessante para que professores e estudantes se conheçam melhor. Eu não consigo mais compreender a internet como algo estanque da realidade, como uma espécie de mundo virtual paralelo, uma vez que os processos comunicacionais hoje são cada vez mais mediados pelas tecnologias digitais em rede. Vale ressaltar que a cultura digital não é vivida apenas nas interfaces digitais. Portanto, não há porque desconsiderá-la nas práticas pedagógicas. Percebi durante o meu trabalho de mestrado que as pessoas faziam uso da internet para estreitar ainda mais os laços sociais no dia a dia, ao mesmo tempo em que usavam a internet para marcar e agendar encontros pelos diversos espaços físicos da cidade. Portanto, a cibercultura em sua fase atual se dá na relação entre o espaço eletrônico e o espaço físico, possibilitando a interconexão entre os internautas e a intensa recepção e emissão de informação que pode ser produzida por esses usuários a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet. De forma alguma eu acredito que o Facebook substitua as relações presenciais, mas não há como negar que ele é mais uma possibilidade de fortalecer os vínculos sociais e afetivos entre estudantes e entre estudantes e seus professores.
Mas essa relação aluno e professor, via Facebook, não pode virar uma espécie de controle dos professores sobre seus alunos? Não é raro acontecer problemas entre alunos e professores/alunos e escolas pelo que é publicado nas redes sociais. Muitas vezes, os alunos se utilizam da plataforma para fazer bullying e ou criticar a escola e professores.
D.R.C – Essa espécie de controle dos professores sobre seus estudantes no Facebook é facilmente contornada. Afinal, sempre haverá a possibilidade de excluirmos ou ocultarmos certos usuários de nossa lista de amigos. Conforme eu já mencionei, estamos cada vez mais utilizando as redes sociais nos processos comunicacionais contemporâneos e as relações que mantemos nos espaços físicos é potencializada nos ambientes eletrônicos (e vice-versa). Em função disso, mesmo excluindo ou ocultando certos usuários de nossa lista, os conflitos nas relações presenciais certamente ainda persistirão. Acredito que seja imprescindível uma relação dialógica em sala de aula para evitar que repercussões negativas ocorram nos espaços eletrônicos. Ao mesmo tempo em que uma relação respeitosa no Facebook poderá contribuir para aproximar e fortalecer os vínculos afetivos entre os usuários nos espaços físicos.
Diante de um caso de bullying e ou crítica à escola qual deveria ser o papel da escola, dos professores?
D.R.C – No meu entendimento, é fundamental o diálogo entre os envolvidos na prática do bullying. Não acredito em manuais de como os professores devam usar a internet na relação com seus alunos, porque as dinâmicas das redes sociais não comportam manuais e guias de como fazer. Acredito, sim, que há inúmeras formas de se fazer. É por conta disso que as redes sociais precisam virar pauta de discussão na escola, propiciando que, estudantes e professores, estejam implicados nos inúmeros desafios do ensinar-aprender em tempos de cibercultura.
Mas pelo que parece essa discussão – redes sociais, bullying, limites, professores e alunos – não está tão presente quanto deveria nas escolas. Se é tão necessária, por que não acontece?
D.R.C – É indiscutível a necessidade da escola se aproximar do universo da cibercultura e promover debates, com os estudantes e seus professores, que possibilitem repensar as dinâmicas sociais dentro do espaço da sala de aula. Se muitas escolas pouco ou nada conversam sobre o tema das redes sociais, possivelmente, é pela dificuldade em compreender e se apropriar do fenômeno da cibercultura. Seria interessante conhecer as aprendizagens que estão se constituindo nas redes sociais, permanecendo atentos às novas formas de aprender das crianças e dos jovens. No meu entendimento, seria preciso refletir sobre a potencialidade das tecnologias digitais nos processos de ensinar-aprender, como muitos professores já estão se propondo a fazer, e já evidenciando que isso vem se constituindo como um verdadeiro desafio, porque implica na reconfiguração dos modos de ensinar e aprender ainda pautados pelo ritmo intenso dos materiais impressos. As tecnologias digitais, por si só, não são capazes de transformar e ressignificar a troca de conhecimentos em sala de aula. Diante disso, o nosso desafio é entender qual é o papel da educação em meio às novas práticas contemporâneas que hoje também ocorrem no ciberespaço e que alteram a relação dos jovens com a informação e o conhecimento.
O que levou você a pesquisar a relação entre o Facebook e jovens? Quais foram suas conclusões?
D.R.C – Muitas são as possibilidades de produzir e compartilhar arquivos através das redes. São justamente essas dinâmicas de interação, de colaboração, que fazem das redes sociais um lugar fértil para se conhecer as marcas das juventudes contemporâneas. Sem sombra de dúvida, essas diversas marcas expressas pelos jovens no ciberespaço vêm sendo objeto de estudo de inúmeras pesquisas. As redes sociais da internet podem propiciar que as diferentes vozes dos estudantes sejam ouvidas e interpeladas, criando vínculos mais estreitos entre todos os envolvidos nos processos de ensinar e aprender, de forma que os limites físicos das salas de aula sejam rompidos, garantindo assim que professores e estudantes encontrem espaços de troca nas interfaces digitais. Pensar sobre o uso do Facebook na prática pedagógica também me ajuda a entender como a educação poderia se apropriar do fenômeno da cibercultura e construir, com a juventude, novas estratégias em sala de aula para abarcar as manifestações culturais que ocorrem diante das informações que circulam livremente nas/pelas redes sociais. Com o trabalho, percebi que parece urgente repensar os processos educacionais à luz das práticas da cibercultura. Defendo que um dos caminhos para se pensar educações na/com a cibercultura seria descobrir as potencialidades dessas práticas nos processos comunicacionais contemporâneos, que abarcam o desejo e a necessidade dos usuários de se sentirem como produtores de cultura. Diante do exposto, quais seriam os desafios a serem pensados na prática pedagógica para criar nos estudantes o desejo e a necessidade da produção e emissão de novos saberes? Como romper com a lógica unidirecional dos saberes, promovendo novas abordagens pedagógicas, com os estudantes, nas redes digitais? E como pensar o papel do professor no contexto das dinâmicas comunicacionais da cibercultura, quando os saberes agora se intensificaram e se ampliam pelas diversas interfaces digitais? Para isso, talvez, seja preciso construir processos de ensino-aprendizagem em espaços que propiciam a interação entre os sujeitos, como, exatamente, ocorre no Facebook.
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Marcus Tavares é jornalista, editor da revistapontocom, doutor em Educação pela PUC-Rio, colunista do jornal O Dia, professor da Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, do Colégio José Leite Lopes – NAVE e da UniverCidade.