Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Beyoncé: o Napster ganhou

Na noite da quinta-feira (12/12), a cantora pop Beyoncé pôs seu último álbum, com 14 músicas e 17 videoclipes, à venda na loja virtual iTunes, da Apple. Foi uma jogada arriscada. Não houve anúncio de que um novo disco estava para ser lançado, não houve clipe ou single divulgado previamente, os fãs não tinham sequer pista de que algo estava para acontecer. Ao fim do domingo, quando três dias de vendas se completaram, o disco já havia sido comprado por 829 mil pessoas. Subiu à primeira posição do Billboard de mais vendidos sem que um único disco físico tivesse deixado as lojas. Só cópias digitais mediante download. O maior sucesso da história da Apple. E, também, 14 anos depois, uma vitória de um dos dois criadores do Napster, Sean Parker.

A revolução da música digital começou em 1999, quando dois jovens estudantes de 18 anos lançaram o Napster. O software de Parker e Shawn Fanning permitia que pessoas conectadas à internet pudessem compartilhar os arquivos de música que tinham em seus computadores umas com as outras. Foi o primeiro programa para facilitar a pirataria. O Napster foi fechado pelos tribunais, outros programas mais sofisticados apareceram, lojas virtuais como a iTunes chegaram à rede e um negócio de vendas surgiu. Diziam que ninguém compraria aquilo que poderia copiar gratuitamente. No caso de Beyoncé, mais de oitocentos mil pagaram felizes.

Após o Napster, Parker ganhou experiência com o negócio digital e terminou associando-se com outro estudante: Mark Zuckerberg. Foi o primeiro presidente do Facebook e, com a rede social, fez-se bilionário. Desenvolveu outros negócios. Um é o Spotify, espécie de rádio virtual que ainda não foi lançada no Brasil (um concorrente, o Rdio, já pode ser utilizado por aqui). O modelo é de assinatura, como o do Netflix: o usuário paga um dinheiro mensalmente e pode ouvir à vontade. O Spotify permite que o sujeito ouça um disco, ou músicas de artistas de um certo estilo ou listas com curadoria de gente que ele respeita. É uma rede social para música.

Reinventando o negócio da música

O próprio Parker organiza uma lista chamada Hipster International. Lá estão 177 faixas de música indie que ele cultiva meticulosamente. Gasta horas no processo. Tem mais de 800 mil assinantes, pessoas que confiam em seu gosto e capacidade de descobrir novidades. Há quem atribua a descoberta da jovem cantora neozelandesa Lorde a Parker. Ele incluiu uma canção dela na seleção Hipster International quando ninguém ouvira falar em seu nome. Foi no Soptify que Lorde explodiu primeiro, sendo ouvida por milhões. De lá para que os CDs começassem a sair das lojas às pilhas e seu rosto aparecesse estampado nas capas de revistas foi um pulo.

Houve o tempo em que, para aparecer, músicos precisavam seduzir os DJs de rádios FM. Agora, o melhor caminho passa por redes como o Spotify. Isso muda radicalmente a maneira de fazer negócios. Para uma cantora pop como Beyoncé, a técnica de lançamento era fórmula antiga e conhecida. Primeiro, lança-se um single. Uma faixa cuidadosamente composta para virar chiclete daqueles que grudam na cabeça e não saem. O refrão tem matemática, a batida idem, tudo é calculado. O single é martelado sistematicamente nas rádios, muitas vezes pagando o bom e velho jabá. Do single, um clipe. Só então o disco que vende, embora não pelo conjunto e sim por causa da música que todos já conhecem e repetem. Quando o disco chega às lojas, boa parte da verba de marketing já foi gasta. É a receita do pop.

Era. Ao lançar o disco inteiro já com os clipes sem fazer qualquer propaganda antes, Beyoncé e seus conselheiros reconhecem que a fórmula esgotou e apostam num mundo no qual DJs e jabás valem menos, a chave para as vendas passa mais pela rede do que por uma única música que seja infinitamente repetida. A aposta é em causar impacto no ambiente digital antes de tudo, gerar burburinho nas redes e, no segundo passo, emplacar nas listas do Spotify.

Ao final, derrotado no Napster e na pirataria, Sean Parker de fato reinventou o negócio da música.

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Pedro Doria, do Globo