O ano de 2014 está começando a se espreguiçar, com notícias sobre o fim dos feriados natalinos, movimento nas estradas e o registro do impacto das mudanças climáticas na vida cotidiana. Na edição de segunda-feira (6/1), o Estado de S. Paulo anota que uma hora de chuva foi suficiente para provocar uma queda de 11 graus na temperatura média, em alguns pontos da região metropolitana da capital paulista.
No noticiário esportivo, expectativas baixas nos clubes e preocupações com atrasos em algumas obras da Copa do Mundo substituem as análises dos jogos de futebol, ainda em recesso.
A crônica dos crimes é marcada pelas mortes violentas de crianças, indicando a necessidade de observar o fenômeno da violência doméstica.
O Brasil assiste à repetição da crise entre civis e indígenas na região de Humaitá, no rastro de projetos de rodovias que cortam a floresta amazônica.
O rescaldo dos dias de folga contém ainda pesquisa do Estado sobre finanças dos municípios, uma especulação da Folha de S. Paulo sobre uma possível queda no nível de empregos em 2014, enquanto o Globo anuncia, na primeira página, sua “musa” para o próximo carnaval.
Nos obituários, destacam-se as mortes do jogador português Eusébio da Silva Ferreira, nascido em Moçambique, e do cantor brasileiro Nelson Ned, nascido em Minas Gerais.
Sobre Eusébio havia pouco a dizer, pouco além do fato de ter sido considerado o melhor do mundo em 1965 e por seu desempenho na Copa de 1966, ano em que Pelé esteve machucado.
Nos textos sobre Nelson Ned, observa-se a velha síndrome da memória seletiva, que se manifesta quando a imprensa tenta reescrever seus próprios registros: o cantor anão nunca foi, em vida, considerado um representante destacado da cultura musical brasileira. Morto, transforma-se até mesmo em ícone da resistência contra a ditadura militar.
Em períodos como este, quando interinos assumem a tomada de decisões nas redações, surge uma janela de oportunidade para observar como seriam os jornais com o centralismo flexibilizado e a guarda mais baixa. Mas o resultado pode decepcionar: a mídia tradicional é mais divertida na plenitude de seus esforços.
O que pode acontecer
Veja-se, por exemplo, a manchete da Folha de S. Paulo de segunda-feira (6): “Alta de preços ameaça nível de emprego neste ano”. O texto na primeira página, resumidamente, diz o seguinte: com alguns preços em alta, pode ser que um número maior de pessoas que atualmente apenas estuda ou se ocupa de outras coisas, seja obrigado a procurar uma fonte formal de renda. Paralelamente, pode haver uma redução nos índices de reajuste salarial, gerando uma espiral de desgraças. Mas o enunciado termina assim: “Analistas ressaltam, contudo, que a retomada da economia global pode melhorar esse cenário”.
Aí, o leitor caprichoso, atacado por aquela doença infantil do esquerdismo, se pergunta: se pode acontecer o pior, mas pode também não acontecer, onde estaria a notícia?
Ora, leitor, a notícia está apenas no desejo do editor, que, tentando bem interpretar o pensamento do dono do jornal, descumpre uma das normas básicas do bom jornalismo – aquela que diz o seguinte: uma coisa que “pode” acontecer não é manchete. Por exemplo, não ocorre a ninguém escrever na primeira página “Hoje pode chover”, porque o contrário também é possível; portanto, não há nessa suposição o chamado fato jornalístico.
Os jornais não conseguem fechar a equação que formulam todos os dias: se a economia brasileira está em crise, como gritam diariamente as manchetes, por que os indicadores registram mais de 1,5 milhão de novos postos de trabalho, com um aumento de 4% na criação de empregos com carteira assinada, no ano de 2013, em relação aos doze meses anteriores?
Para justificar sua previsão condicional, a Folha teria que responder a uma pergunta básica: caso o mercado deixe de oferecer novos postos com registro em carteira, quanto tempo levaria para o Brasil retroceder a uma circunstância anterior ao pleno emprego?
As edições do fim de semana prolongado estão cheias de exemplos como esse, nos quais se aproveita o período das retrospectivas e das previsões para destacar os tons cinzas da complexidade social e econômica.
Pode chover ou fazer sol, os preços podem subir ou cair, alguém pode vir a falecer, pode nevar no Sul no próximo inverno, o trânsito pode piorar no fim das férias, o mundo pode acabar hoje, e a imprensa ralando todos os dias para fazer crer que algum desses acontecimentos merece uma manchete.
Vira o ano, e tudo parece muito igual.