Ainda são encontrados traços da imprensa do século 19 no jornalismo brasileiro. Eles são vistos, principalmente, nos jornais de cidades de pequeno e médio porte. Nesses locais ainda resiste um jornalismo mais do que opinativo, chegando a ser panfletário (de campanha), ou, como define Nilson Lage, publicista.
‘O paradigma do texto informativo era o do discurso retórico’, diz Lage (2001, p.10). A historiadora Isabel Lustosa mostra bem como era realizado esse tipo de jornalismo em Insultos impressos (Companhia das Letras, 2000). Antes da Independência, em 1821, já havia três jornais no Rio de Janeiro trocando insultos: o Revérbero Constitucionalista Fluminense (liberal e representante da maçonaria), o Espelho (monarquista, publicando, inclusive, textos de D. Pedro I) e o Malagueta (liberal, mas agindo de acordo com interesses pessoais de seu proprietário).
No período oitocentista, os periódicos eram literários ou representavam grupos ou idéias políticas. E esse último tipo era bem mais numeroso. Não se criavam jornais para se ganhar dinheiro, mas para se defender idéias. Era comum criar uma publicação para responder a outro jornal.
Diálogo conflituoso
Seus textos eram interessantes, corajosos e bem-escritos. Líderes políticos e as melhores cabeças da época eram redatores ou donos de periódicos. Há muitos exemplos entre os primeiros jornalistas brasileiros: Hipólito da Costa, Evaristo da Veiga, Cipriano Barata, Frei Caneca, Teófilo Otoni, Padre Viegas, Bernardo Vasconcelos, Líbero Badaró, os Andradas.
Há uma lista extensa de grandes nomes, pessoas brilhantes que fizeram os primórdios de nossa imprensa. Hoje eles são quase desconhecidos da atual geração de jornalistas, ou lembrados apenas por sua atuação política.
Olhando os jornais oitocentistas pode-se ver que algumas de suas características permanecem no jornalismo regional. Principalmente seu caráter publicista. Os jornais regionais costumam ser ligados a políticos, e, claramente, demonstram ter como objetivo defender os interesses destes grupos. Muitas vezes são deficitários, ou financiados indiretamente pelas prefeituras.
Também é muito comum o diálogo conflituoso entre as publicações. Os periódicos se acusam, fazem insinuações, provocações. Como no passado, algumas vezes são criados jornais com o objetivo de responder às críticas de outro.
Leitores insatisfeitos
Essas são características comuns ao jornalismo oitocentista. Pena que algumas qualidades da imprensa do século 19 não sejam encontradas nas publicações atuais do interior. A qualidade do texto e o idealismo marcaram a imprensa oitocentista. Havia também os fisiológicos, mas muitos defendiam ideais. Jornais lutaram pela Independência, pela abdicação de D. Pedro I, pela abolição da escravatura.
Ser jornalista não era fácil nesse período. Muitos foram perseguidos, como Luís Augusto May, redator de A Malagueta, que foi espancado a mando de D. Pedro I. Mas as três principais vítimas, que podem ser consideradas mártires da imprensa, foram Libero Badaró (assassinado), Frei Caneca (fuzilado) e Cipriano Barata (que passou muitos anos preso).
Na imprensa regional é raro encontrar idealismo e textos de qualidade. Uma situação que precisa ser mudada, e a grande responsabilidade é das escolas de Jornalismo implantadas em cidades do interior.
Os leitores do interior ficam muito insatisfeitos com esse tipo de imprensa. Talvez mais pela falta de qualidade do que pelas ligações políticas, mas só um estudo poderia esclarecer a questão. No entanto, essa imprensa publicista, com seus muitos defeitos, é responsável pela sobrevivência do jornalismo em centenas de cidades.
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Jornalista e professor da PUC Minas Arcos