Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Editorial sobre Snowden provoca debate

A maioria dos editoriais não provoca muita polêmica. Menos ainda podem ser considerados válidos como notícia. A exceção foi um editorial no Times na quinta-feira (2/1), pedindo clemência, ou um acordo para uma apelação, para Edward J. Snowden. Por volta do meio-dia, o texto já tinha provocado bem mais de 1.200 comentários online, assim como artigos sobre o assunto em outros veículos de mídia, como Politico, Fox News, The Nation e USA Today.

Andrew Rosenthal, editor da página de opinião, disse-me na quinta-feira que o editorial tinha sido discutido pela diretoria de editoriais durante semanas. O Times publicou editoriais fortes sobre Snowden desde que o ex-técnicoda NSA emergiu na consciência nacional, na primavera passada. De uma maneira geral, a página editorial do Times tem dado apoio a Snowden, chamando-o de denunciante que prestou um serviço público aos cidadãos norte-americanos revelando uma ampla – e inconstitucional – vigilância governamental.

Mas, recentemente, chegou o momento para algo maior, disse Rosenthal. “Sentia-se que havia uma massa crítica concreta”, afirmou ele, com as recentes decisões de juízes federais, a avaliação pelo Congresso (por ambos os partidos) de mudanças legais, as recomendações de um painel designado pelo presidente Obama e a declaração unificada de protesto das empresas de internet, que não são normalmente grandes paladinos da privacidade. “Com tudo isso, e o ano terminando, pareceu um momento apropriado para dizê-lo”, disse Rosenthal.

“Uma reflexão mais profunda”

De maneira geral, a diretoria concordou com a posição do editorial e designou um redator para escrevê-lo, com contribuições de outros. (Rosenthal não escreveu este editorial, embora eventualmente escreva editoriais além de seu blog.) Um editorial publicado pelo Guardian também pedia clemência.

O editorial do Times colheu elogios de alguns – e considerável antipatia de outros, disse Rosenthal. “Infelizmente, muitos desses comentários foram obscenos e cheios de ódio”, lembra. Entre eles estavam ataques pessoais em termos muito fortes tanto contra Snowden quanto contra o próprio Rosenthal. Ele leu para mim um exemplo particularmente rancoroso que não vou transcrever aqui. “Nós dissemos que a ideia de asilo político”, sugerida por algumas pessoas, “é bizarra.” E Rosenthal destacou que Snowden “parece ter violado sua permissão de segurança”.

Quanto à natureza extremamente politizada da resposta – com o apoio a Snowden vindo em grande parte da esquerda –, Rosenthal disse que, por uma questão de coerência, “os conservadores deveriam estar mais indignados” devido à intromissão do governo, contra a qual normalmente se opõem. A reação mais alentadora, segundo ele, veio dos leitores, que disseram que o editorial do Times “os obrigara a sentar e avaliar melhor como deveriam pensar”. Pelo menos para alguns deles, o editorial provocou “uma reflexão mais profunda” sobre um assunto difícil.

Concordância incondicional

Andrew Rosenthal acha que Obama levará a sério as recomendações bem pouco comuns da editoria de opinião do jornal? “Isso não dá para adivinhar”, disse ele, destacando que o presidente sofre pressões intensas de todos os lados. E acrescentou: “Ficamos muito decepcionados com ele a respeito destas questões.” “Às vezes, você tem que ir além daquilo que é realista” numa recomendação de um editorial. Não dizer necessariamente aquilo que pode acontecer, mas o que “deveria acontecer”.

Assim como a editoria de opinião do Times, acho que Snowden prestou um grande serviço aos EUA e, na verdade, ao mundo. Concordo de maneira incondicional com esta linha do último parágrafo do editorial: “Quando alguém revela que autoridades governamentais violaram a lei constante e deliberadamente, essa pessoa não deveria ser sentenciada à prisão perpétua por esse mesmo governo.”

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Margaret Sullivan é ombudsman do New York Times