Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Futuro mais social, com privacidade de menos

Tudo começou com o Orkut, a primeira rede social a criar real burburinho no Brasil, chegando a ter 60% dos usuários brasileiros. Até 2011, quando o Facebook a ultrapassou. Hoje, a rede social de Mark Zuckerberg atrai 73% dos usuários no país, contra menos de 1% do Orkut. O curioso é que ambas as redes foram ao ar no início de 2004: o Orkut em janeiro e o Facebook em fevereiro, com uma diferença de apenas 12 dias no lançamento. Há, portanto, dez anos, começava por aqui a explosão da vida social estampada na internet.

Atualmente, uma em cada quatro pessoas faz parte de uma rede social: em outras palavras, 1,61 bilhão de internautas tem perfil num site desse tipo, segundo a consultoria eMarketer, e o número deve chegar a 2,33 bilhões em 2017. Só o Facebook tem 1,19 bilhão de usuários ativos mensalmente. O fenômeno do social networking mudou profundamente nossa forma de se relacionar com amigos, colegas, família, e também com as empresas. O sucessor natural do e-commerce é o chamado social commerce, feito dentro do ambiente das redes sociais, que pode ser definido quase como uma segunda internet.

Derivados dos pioneiros

Existem agora no mundo muitos derivados das redes sociais pioneiras, alguns dos quais devidamente absorvidos por elas. Além de Facebook e Twitter, temos LinkedIn, Pinterest, Foursquare, Instagram, Mobli, Tinder e até o aplicativo de avaliação masculina Lulu. Nota-se que o caminho dessas novas redes é dirigir-se a um nicho dos usuários, escolhendo temas específicos para prosperar. O desafio das redes em 2014 é consolidar seu faturamento. As grandes, aparentemente, já estão no caminho. O Facebook, após oferta pública inicial de ações (IPO) desastrosa em 2012, deu a volta por cima: no terceiro trimestre de 2013 sua receita era de US$ 2,02 bilhões. O Twitter, por sua vez, valorizou-se em US$ 25 bilhões com seu IPO.

– O “molho secreto” de uma rede social para os negócios são as informações que ela fornece sobre seus usuários – explica Tatiana Albuquerque, diretora da E-Like e responsável pelo aplicativo Meu Shopping de social commerce, um dos pioneiros no Brasil. – Fica-se sabendo onde as pessoas gostam de ir, o que preferem ver, usar, comer, vestir. E o engajamento nas marcas se desloca geograficamente: por exemplo, já tive batelada de pedidos oriundos do Piauí de biquínis de marca badalada do Rio.

Essa dispersão geográfica, cortesia da internet, é também algo a que as ofertas e a publicidade (especialmente a móvel, hoje um dos principais motores do Facebook) devem ficar muito atentas, de acordo com o antropólogo Michel Alcoforado, especializado em consumo e diretor da consultoria Consumoteca.

– O consumo mudou muito com a chegada do Facebook. Ao contrário do que acontecia com o Orkut, mais popular só no Brasil e na Índia, no Facebook há uma interconectividade maior com o resto do mundo. Essa interconectividade trouxe uma forma diferente de consumir. Através de diferentes comunidades espalhadas ao redor do planeta, me sinto muito mais conectado com as pessoas que têm, por exemplo, um iPhone ou MacBook do que outras mais próximas de mim geograficamente, mas desligadas dos meus gostos pessoais. Através de outros produtos e marcas, vamos criando laços também – explica Alcoforado.

Sem dúvida, as empresas já perceberam essa mudança de vetor, e procuram interagir mais com os usuários de redes sociais. A comunicação fica mais rápida, mas o consumidor também ganhou muito mais visibilidade com a chance de botar a boca no trombone no caso de ser mal atendido.

– É preciso saber gerenciar isso, apagar esses incêndios. As marcas vivem hoje um cabo de guerra com os consumidores na rede social – reconhece Alcoforado. – De qualquer modo, com as redes sociais acabou a era da comunicação unilateral, de cima para baixo, com o consumidor.

Uma outra seara, esta muito explorada pelo Twitter, é a conexão da rede social com as mídias mais tradicionais, como a televisão. A rede de microblogs vem investindo fortemente na chamada “segunda tela”, tipicamente um tablet ou smartphone em que os usuários tuítam enquanto assistem a um programa na TV, usando hashtags (#) apropriadas e interagindo ao vivo com as atrações. De acordo com Chloe Sladden, vice-presidente global de Mídia do Twitter, de 2012 para 2013 aumentou mais de 200% o número de tweets sobre programas de televisão só nos EUA.

– O Twitter não é uma rede social mas, sim, uma rede de interesses. As pessoas vão atrás de conteúdo, seja por meio de amigos ou não. Isso está em nosso DNA, é o que permanecerá intocado independentemente da forma como evoluímos – afirma Guilherme Ribenboim, diretor-geral do Twitter no Brasil.

A criação de uma ‘imagem social’

Nas redes sociais há ainda o chamado “consumo de experiências”, amplificado pelos ambientes sociais – o Foursquare, que permite check-in em locais em tempo real, é um exemplo. Segundo Michel Alcoforado, hoje, quando as pessoas viajam, vão a restaurantes e shows, elas postam isso em seus perfis, mostrando as experiências que fizeram e consumiram. Isso se reflete em suas tendências de consumo.

– De certa forma, as pessoas também “vendem” a si mesmas, criam uma imagem para elas.

Para Paula Chimenti, coordenadora do Centro de Estudos em Estratégias e Mídias Digitais, o destino das redes pode mudar quando os usuários acordarem para o problema da privacidade.

– As redes sociais nos deixam fazer coisas que, se fizéssemos presencialmente, não seriam bem aceitas. Você não vai ficar contando vantagem ao vivo, pega mal, mas pode postar foto no Instagram da viagem. Nem ficar interrogando alguém sobre sua vida pessoal… Mas pode escarafunchar a linha do tempo, numa espécie de stalking. A contrapartida disso é criar uma sociedade em que os limites do público e privado perdem as fronteiras e ficam esquizofrênicos – afirma Paula.

Ela lembra o documentário “Terms and conditions may apply”, em que Eric Schmidt, então diretor executivo da Google, comentava: “Se as pessoas estão fazendo algo que não querem que ninguém saiba, não deveriam estar fazendo, em primeiro lugar”.

– Isso dito pelo diretor de uma empresa cujo negócio é saber tudo sobre nós. Então, o privado é algo escuso? Ora, todos temos direito à privacidade.

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André Machado e Rennan Setti, do Globo