Os filmes O informante (1999) e Doces Poderes (1997) fazem parte da lista de filmes obrigatórios para jornalistas e futuros jornalistas. É interessante analisar em ambas as tramas como as ideias de verdade sobre os fatos são construídas, com quais elementos elas se articulam e se formam.
O informante baseia-se no caso real de um ex-executivo da indústria de tabaco que decide revelar a um jornalista de uma famosa emissora de televisão que sua empresa tinha conhecimento do potencial de dependência da nicotina adicionada ao cigarro. Esta “bombástica” entrevista enfrenta dificuldades de ir ao ar quando se depara com os possíveis prejuízos econômicos que a emissora poderia ter caso fosse processada pela empresa tabagista citada. O desenrolar do filme mostra a dificuldade do jornalista em seguir com a denúncia pois, além dos possíveis prejuízos econômicos à emissora, o filme aponta para o envolvimento da indústria do tabaco com questões políticas, jurídicas e de saúde pública, entre outras, que acabam impedindo o profissional de prosseguir com sua história, impedindo-o de contá-la da maneira que gostaria.
O jornalista em questão não consegue cumprir sua “cartilha” jornalística, que coloca como lemas necessários a importância de se divulgar a “verdade” sobre os fatos e a proteção do anonimato da fonte. Ou seja, ele tenta a todo tempo lutar contra forças que o impedem de produzir um tipo de narrativa que julga ser a mais adequada para tratar dos fatos por ele descobertos. É a luta do jornalista pela vitória de sua narrativa sobre os fatos.
Trajetórias para chegar à “verdade”
Já o filme Doces Poderes, um dos raros filmes brasileiros que tratam o jornalista e o jornalismo como protagonistas, conta a história de uma jornalista que assume, no período eleitoral, a coordenação da sucursal de uma TV em Brasília. Ela depara com a saída de inúmeros jornalistas, todos convidados para atuar em campanhas de candidatos políticos em troca de melhores salários.
Os jornalistas que escolhem atuar em campanhas políticas por melhores salários não mostram remorso pela escolha, nem entendem o trabalho como menos virtuoso, já que, para eles, o trabalho do jornalista na mídia e, no caso do filme, especificamente da televisão, já está comprometido com tendências políticas e econômicas. Assim, se é para atuar sob a perspectiva da parcialidade, que seja ela feita de modo mais explícito e pagando melhor. Ou seja, se na mídia televisiva se vende uma pretensa imparcialidade nas notícias divulgadas, em campanhas políticas a atuação do jornalista não precisa de disfarce, é claramente parcial e trabalha a favor da eleição de um candidato especificamente declarado.
Diferentemente do esforço do jornalista de O informante de fazer prevalecer sua descoberta da verdade doa a quem doer, a jornalista recém-chegada na capital brasileira de Doces Poderes precisa decidir se colabora com uma narrativa de verdade criada por sua emissora editando um debate entre os dois mais cotados candidatos a governador de modo a favorecer um deles.
Não há Manual de Redação que discuta tantas nuances de verdade, muito menos qual delas é mais ou menos virtuosa e deve ser escolhida a cada descrição de fatos apurados. O que os filmes mostram é que existem trajetórias para se chegar à “verdade”. Uma “verdade” que, assim como os filmes, é baseada em fatos reais e não a realidade em si.
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Amanda Costa Reis é jornalista, professora e doutoranda em Ciências Sociais